Em sua estreia em longa, À beira-mar, os diretores e roteiristas Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, testavam a paciência do público com uma espécie de Azul é a cor mais quente gaúcho. O novo trabalho da dupla, Tinta bruta, novamente traz como protagonista um personagem homossexual em busca de sua identidade. Talvez, no caso, sejam identidades, no plural, pois o protagonista leva uma vida dupla. No Festival de Berlim, o longa ganhou o prêmio concedido pelos cinemas de arte internacionais, o CACAE, e o Teddy Award, conferido a filme com temática LGBT.
No mundo real, ele é Pedro (Shico Menegat), jovem solitário que abandonou a faculdade após um episódio grave e está sendo julgado na justiça por isso. Na internet, é GarotoNeon, fazendo shows on line com pouca (ou nenhuma) roupa, dependendo de quanto seu cliente está disposto a pagar. Sua marca registrada é pintar-se com tinta neon.
O personagem é introduzido sem muito rodeio. Ele, na companhia da irmã (Guega Peixoto) se apresenta à juíza linha-dura que cuida de seu caso. Nada é contado, nesta altura, sobre o que aconteceu, apenas que ele é descrito pelos amigos como antissocial. Sem emprego e fora da faculdade, Pedro ganha a vida com as apresentações, mas os clientes estão sumindo por conta de um novo performer que também usa as tintas. Eles combinam de se conhecer e o protagonista descobre que Leo (Bruno Fernandes) é o seu oposto. Um estudante de dança, cheio de amigos, que se apresenta para juntar dinheiro enquanto espera uma bolsa para estudar fora. Os dois têm a ideia de fazer apresentações on-line juntos.
Matzembacher e Reolon retratam pessoas vivendo em uma sociedade que os oprime a ponto de perderem suas identidades, transformando-se em versões de si mesmas que lhes permitem um pouco mais de liberdade. A construção do protagonista não é muito convidativa, no entanto. Pedro é um personagem solitário e frágil – sua irmã vai embora para Salvador, deixando-o sozinho. Não é muito fácil gostar dele. As opções do roteiro, na maioria das vezes, transformam-no apenas num rapaz chato. É muito mais fácil se interessar pela história de Leo do que pela do protagonista.
Não fica muito claro porque o filme é dividido em partes – cada uma levando o nome de um personagem –, já que tudo acontece num fluxo contínuo centralizado em Pedro. Outros elementos parecem um tanto gratuitos também, como a chegada da avó do protagonista (Sandra Dani), que passa uns dias com ele. Fora isso, as duas horas de filme se fazem sentir - uma versão mais concisa poderia trazer mais força ao personagem e à narrativa, uma vez que certas cenas e acontecimentos dão a sensação de se repetir sem qualquer efeito cumulativo.