Premiado no Festival de Cannes de 1957 (Palma de Ouro e Menção Especial para a atriz Tatyana Samoylova), este drama antibélico soviético desafia a estética vigente na época para contar uma história de amor e redenção em tempos de guerra. No canal do Youtube do CPC-UMES, de sexta (26/1) às 19h a domingo (28/1), às 19h.
- Por Alysson Oliveira
- 08/04/2020
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O cineasta Mikhail Kalatozov é, acima de tudo, um esteta. A composição de cada quadro em seus filmes – em especial em Eu sou Cuba (1964) e Quando voam as cegonhas (1957) – é primorosa, seja pelos ângulos muitas vezes inusitados, ou a organização das pessoas e objetos visíveis, ou os jogos de luz e sombra. Tudo é inventivo e inesperado, criando uma poesia visual única.
Premiado em Cannes com a Palma de Ouro e uma menção especial para a atriz Tatyana Samoylova, Quando voam as cegonhas é um dos mais potentes libelos antibélicos que o cinema soviético produziu. O contraste que se abre ao longo dos pouco mais de 90 minutos é entre o lirismo da imagem e a crueldade da guerra. Escrito por Viktor Rozov a partir de uma peça dele, este é um melodrama que tem o conflito armado como mediador e catalisador dos conflitos emocionais das personagens.
Veronika (Tatyana Samoylova) e Boris (Alexei Batalov) são dois jovens apaixonados em Moscou. Ela é estudante, ele, engenheiro. Duas pessoas comuns, com sonhos, aspirações e o desejo de um futuro juntos. A primeira cena, dotada de um lirismo que parece cinema mudo, no entanto, já é um aviso simbólico: não conseguirão ficar juntos. Logo após a invasão alemã, ele se alista e acaba convocado para guerra, traçando o destino trágico dos dois apaixonados.
Quando voam as cegonhas foi uma surpresa tanto na União Soviética quanto fora dela. É um filme que vai totalmente contra o heroísmo soviético nos retratos da Segunda Guerra e seus personagens. Isso tudo era tão atípico que o crítico Bosley Crowther escreveu no jornal The New York Times, em 1960: “Acredite ou não, é um filme sobre dois jovens romanticamente apaixonados – apaixonados um pelo outro, quero dizer, e não por um trator ou o estado soviético.”
A estrutura do filme é a queda e redenção de Veronika a partir da separação de Boris. Eles nem conseguem se despedir antes de ele ir para o front. Obviamente, será um dos primeiros a morrer – mas, para a família, é dado como desaparecido. Ela perde os pais, a casa, e acaba se envolvendo com um primo dele (Alexander Shvorin).
Se num primeiro momento, ela comete algo considerado condenável (trair um soldado na guerra casando-se com outra pessoa), o que se segue é sua redescoberta como mulher e ser humano, numa jornada emocional pontuada pelos tons de preto e branco tão bem definidos da fotografia de Sergey Urusevskiy.
Kalatozov, nascido na atual república da Geórgia (que na época fazia parte da URSS), foi um diretor que primou pela imagem, buscando o máximo que o cinema pode oferecer para contar uma história, dando ênfase aos planos, enquadramentos e afins ao invés da palavra. Quando voam as cegonhas é um filme que potencializa os sentimentos das personagens sem precisar usar demais os diálogos. Por consequência, tudo acontece de forma sutil, tornando o filme ainda mais devastador.