18/02/2025
Comédia

Abismo de um Sonho

Casal provinciano, Wanda e Ivan passam a lua-de-mel em Roma, onde deverão conhecer parentes dele. Numa tarde, aproveitando o cochilo do marido, Wanda vai ao estúdio onde se filmam as fotonovelas que lê, na esperança de conhecer o ator que interpreta o personagem amado de uma delas, um xeque.

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Um dos mais festejados cineastas da história do cinema, Federico Fellini começou a trabalhar como caricaturista e repórter, além de escrever fotonovelas. Não demorou muito para chegar ao cinema e um dos primeiros trabalhos foi como co-roteirista de Roma, Cidade Aberta (1946), de Roberto Rossellini, o marco do neo-realismo italiano.

No primeiro filme que dirigiu sozinho e que no Brasil recebeu um título digno da mais dramática novela, Abismo de um Sonho, Fellini mostra um legítimo filme do movimento, embora já apresente alguns personagens do futuro "universo felliniano", como a otimista e delicada prostituta Cabíria (sua mulher, Giulietta Masina) numa pequena cena. Assim como Luchino Visconti em Belíssima (1951), Fellini também ataca a exploração da indústria cultural do pós-guerra e nada melhor do que dissecar o mundo da produção de fotonovelas, uma verdadeira febre entre as camadas mais populares. Uma deliciosa sátira de um universo que conhecia muito bem.

A história do casal provinciano em viagem de lua-de-mel a Roma é uma sucessão de erros e mal-entendidos. Ivan Cavalli (Leopoldo Trieste), um burocrata metódico e sem nenhum charme, é apaixonadíssimo pela mulher, Wanda (Brunella Bovo), que vive num mundo de fantasias. Obcecada pelo Xeque Branco (Alberto Sordi), um famoso personagem de fotonovela, aproveita um momento de sono do marido para sair às ruas à procura de seu ídolo. O problema é que não pode se atrasar para voltar, pois o casal tem encontro marcado com o ramo da família Cavalli em Roma. Mas não só se atrasa como acompanha a equipe de produção para uma sessão de fotografias fora da cidade.

Como disse Fellini numa entrevista, foi nesse ponto do filme que percebeu que podia dirigir, perdendo a insegurança que sempre o perseguiu. A cena do assédio de Wanda pelo galã, em um barco no mar, define muito do que o diretor trabalharia nos filmes subseqüentes. O tom satírico, através da forçada canastrice do personagem de Alberto Sordi, na descoberta de uma realidade cínica e a perda da ingenuidade da romântica mulher é comovente.

O então jovem diretor, recém-saído do pesadelo do fascismo, conduz seus personagens num processo quase antropofágico, onde todos os sólidos valores do período anterior à II Guerra Mundial são subvertidos, demolindo certezas e tateando em busca do sonho. Mas a redenção final vem através do recuo. A sensibilidade atrelada à tradição, na tentativa de sobreviver à crua realidade. A delicada comédia, embalada pela música de seu parceiro constante Nino Rota, tem Michelangelo Antonioni entre os roteiristas.

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