Uma mesa de restaurante, dois amigos que não se vêem há muito tempo, uma longa conversa. Com apenas estes três elementos,o diretor francês Louis Malle construiu este que é um de seus filmes mais instigantes.
A aparente simplicidade do dispositivo não deve enganar ninguém. Esta conversa entre o diretor teatral André Gregory e o ator Wallace Shawn remexe profundezas sobre arte e vida e sacode, decididamente, as fronteiras entre o que é encenado e o que é natural, incorporando o espontâneo na própria encenação. Em cena, estão duas pessoas reais, usando seus nomes verdadeiros. Fala-se de Grotowski, Brecht e “O Pequeno Príncipe”. Discute-se viagens à Índia, ao Saara e à Polônia, os sentimentos contraditórios dentro de um longo relacionamento, a robotização das pessoas, o valor da ciência, a fruição dos pequenos fatos da vida. É como se estes dois passassem sutilmente a limpo alguns dos mais remotos escaninhos da existência humana, sem pretensão a uma aula ou ao fechamento de questões.
A narrativa flui no cenário de um restaurante elegante de Nova York, com o jantar sendo periodicamente interrompido pelas incursões dos garçons do lugar - qual a função deles na história, bem se pode perguntar, se é que há alguma. O fato é que dificilmente duas pessoas assistindo ao filme terão as mesmas percepções ou notarão os mesmos detalhes. De várias maneiras, Meu jantar com André é uma experiência única e isto é que o torna tão instigante, em sua aparente modéstia de propósitos, dentro da obra de um diretor que assinara obras de vulto como Lacombe Lucien e ainda faria Adeus Meninos, Loucuras de uma Primavera e Tio Vânia em Nova York, seu último filme.
Nada desprezível, para que esta pequena joia produza encantamento e fruição, a função da sedução das palavras - e aqui temos dois exímios mestres no seu uso, dois bichos de teatro, que se conhecem há muito tempo e se propõem a reatar um relacionamento há muito deixado de lado. Cabem aos voice overs de Shawn os comentários fora de cena sobre as emoções que mediam a energia deste reencontro, ao qual não faltam resquícios tanto de gratidão quanto de mágoas. Neste aspecto, infiltra-se uma nota humana e humanista, reconhecendo a dualidade da natureza humana mas também sua infinita capacidade de recuperar-se diante do estímulo apropriado - especialmente a disposição de baixar a guarda e exercitar a escuta.
De muitas formas, Meu jantar com André é um experimento que pode não cair bem a espectadores ansiosos ou apressados. O que mais requer são olhos abertos, curiosidade e empatia pela arte.
Para quem suspeitar que se trata de uma conversa real, num cenário real, algumas informações - o filme foi feito em estúdio, ao longo de algumas semanas e os diálogos foram cuidadosamente elaborados pelos dois artistas ao longo de um ano, tendo como ponto de partida conversas verdadeiras que gravaram antes. Há, portanto, uma refinada carpintaria teatral em funcionamento. A arte, afinal, sempre imita a vida.