Talvez King’s Man: A Origem seja o filme, ao seu modo, ideal para a era em de fake news ou de revisionismo histórico. Sua manipulação da historiografia oficial vai desde transformar o místico russo Rasputin num assassino a colocar o presidente dos EUA Woodrow Wilson chantageado por conta de uma sex tape. No filme, que se passa no começo do século XX, o diretor Matthew Vaughn volta no tempo para contar o surgimento da organização secreta de seus filmes Kingsman: Serviço Secreto e Kingsman: O Círculo Dourado.
Vaughn, que assina o roteiro com Karl Gajdusek, assume aqui um tom mais grave e mais sombrio do que nos dois longas anteriores, que tinham um quê até de mais juvenil. Ralph Fiennes assume o papel do protagonista, o inglês Orlando Oxford, um aristocrata que prega o pacifismo, mesmo que esse tenha custado a vida de sua mulher, deixando-o sozinho para criar seu filho pequeno. Para tal, conta com a ajuda de seu braço-direito Shola (Djimon Hounsou) e uma governanta, Polly (Gemma Arterton), com cuja parceria construiu ao redor do mundo uma rede de espiões, formada por serviçais que, pouco notados pelos patrões, revelam-se ideais para a função.
Orlando tenta impedir uma guerra iminente, mas o assassinato do arquiduque Ferdinand (Ron Cook) detona o conflito. Transitando entre a realidade histórica e a fantasia, King’s Man: A Origem cria sua própria narrativa e versão dos fatos e figuras históricas – como os três líderes interpretados por Tom Hollander: o rei George, o czar Nicolau e o imperador alemão Guilherme II, todos primos que cresceram briguentos e receberam cada um seu reino.
O resultado é um filme bizarro, mas que funciona em sua lógica combinando os gêneros da comédia e da ação. Um dos personagens mais marcantes é o místico russo Rasputin, interpretado com gosto pelo inglês Rhys Ifans, transitando entre o cômico e o assustador. A cena de luta entre ele, Orlando e Shola é, ao mesmo tempo, divertida e impressionante em sua coreografia.
Os esforços do protagonista se revelam em vão quando a I Guerra se torna inevitável e seu filho, agora um adolescente (Harris Dickinson), vai para o front, mesmo contra a vontade do pai. Depois desse episódio, Orlando fará de tudo para que os EUA entrem no conflito – numa cena na qual o aristocrata usa uma invenção recente: o paraquedas, e resulta em mais uma sequência de ação impressionante.
No fim, é isso o que mais sobressai em King’s Man: A Origem – suas qualidades técnicas, seja nos campos de batalha, ou no topo de uma montanha, onde Orlando duela com um bode, prenunciando uma longa sequência de ação sem limites. Em termos de narrativa, Vaughn está se importando pouco se não há muita coerência ou até coesão no filme. Por outro lado, ele sabe dar exatamente o que seu público quer – inclusive uma cena nos créditos finais, como parece ter se tornado de praxe, deixando um gancho para uma continuação.