O centro deste documentário não rigidamente biográfico está na ativista trans Indianara Siqueira, figura conhecida no Rio de Janeiro por sua liderança à frente da Casa NEM - um centro de acolhimento a pessoas LGBTI em situação de vulnerabilidade, no centro histórico da capital carioca. Um imóvel ocupado, o que termina sendo o primeiro de seus inúmeros problemas para continuar existindo.
Exibido na seção ACID do Festival de Cannes 2019 e dezenas de outros festivais ao longo de 2019, o filme se alimenta da energia incansável de Indianara, uma militante em tempo integral contra a transfobia - que, apenas em 2018, quando foi realizado o documentário, constituía uma das causas por trás de mais de 300 assassinatos, motivados por orientação sexual ou identidade de gênero. O filme começa, justamente, com o enterro de uma dessas vítimas de uma intolerância assassina.
Chegando aos 50 anos, Indianara acumula não só uma grande vivência em favor destas vítimas trans, a quem fornece casa, comida, educação, apoio, conselhos e afeto, como experiencia um momento especial em sua vida - seu casamento com Maurício. A gangorra de emoções, no entanto, não pára. Ao mesmo tempo em que desfruta deste momento afetivo, ela sofre perseguições e perdas, vendo ameaçada a continuidade da casa NEM e sofrendo o baque do assassinato da ativista e vereadora Marielle Franco - que compartilhava diversas de suas lutas e apoiava sua candidatura como deputada (no PSOL), que acaba não acontecendo, por problemas com a estrutura partidária.
Indianara também não é de fazer conciliações. É guerreira e faz dessa característica sua marca, num momento político do País que era marcado pelo “fora Temer”, a mobilização contra o lawfare e a prisão do ex-presidente Lula e a eleição do presidente Jair Bolsonaro, um notório defensor de posições antidireitos humanos e pró-homofobia e transfobia.
Vista neste nosso momento atual, que continua sombrio, Indianara é, assim, uma chama que insiste em incendiar sua paixão. Mais do que nunca, é alguém a prestar atenção, também pela teimosia da resistência. Não é tempo de desistir.