Talvez seja excesso de zelo da Netflix brasileira, mas o título original Une fille facile aqui se transformou em A prima Sofia, possivelmente para evitar polêmicas ao chamar uma jovem de"'fácil". O uso do adjetivo, no entanto, é irônico, e ao mesmo tempo escancara a visão patriarcal da sociedade. De qualquer forma, a prima Sofia (Zahia Dehar, que fez a festa da imprensa sensacionalista quando, em 2009, ainda menor de idade, se envolveu num escândalo de prostituição com jogadores de futebol) não é exatamente uma jovem fácil, mas bem mais esperta do que possa transparecer. Suas formas esculturais, moldadas a cirurgias plásticas, enganam alguns personagens e, numa das melhores cenas do filme, a jovem mulher subverte expectativas e clichês. Assim como o filme.
Escrito e dirigido por Rebecca Zlotowski (Grand Central), o longa tem como protagonista a jovem Naima (Mina Farid), de 16 anos, que vive com a mãe (Loubna Abidar), camareira de um hotel, morando, no sul da França. Elas recebem a visita da prima Sofia durante o verão. Dona de seu próprio corpo e, acima de tudo de sua sexualidade, Sofia não tem pudores, não tem amarras, e está interessada em seduzir desde jovenzinhos na praia, onde sempre faz topless, até homens mais velhos e com mais capital. É o que acontece quando conhece o brasileiro Andres (Nuno Lopes), que passa uma temporada num iate atracado ali na cidade mesmo.
O ponto de vista do filme é o de Naima, que vê sua prima como “uma jovem fácil”, mostrando, antes de mais nada, um machismo introjetado que julga a outra a partir dos parâmetros masculinos e burgueses. A escolha de Dehar, uma subcelebridade na França que fez carreira de modelo após o escândalo, é inspirada, especialmente na forma como a personagem renega tudo o que se espera dela. Sofia não é facilmente decifrável, e isso causa estranhamento e fascinação na sua jovem prima, na idade em que está se descobrindo como mulher, deixando de ser adolescente.
Naima é silenciosa e observadora, mas tal qual Andres é, de certa forma, seduzida por Sofia, pelo jeito livre como esta se comporta. No iate, ela conhece Philippe (Benoît Magimel) diante de quem experimenta sentimentos ambíguos. Está começando a gostar dele ou vê nele apenas uma oportunidade de descobrir o sexo? Mas Sofia tem muito mais a ensinar à garota. Antes de saírem para jantar com os dois homens, ela está cozinhando espaguete, para a surpresa da prima. A mais velha explica que não vai a restaurantes para comer, mas para observar os outros, para fazer contatos. Se a pessoa está concentrada na comida e nos talheres, pode perder algumas chances, por isso é ideal já sair alimentada. Como se vê, Sofia tem uma visão pragmática e nada tola da vida e das relações pessoais.
Sofia é uma personagem de si mesma, e, não apenas nessa cena – especialmente numa na Itália –, mostrando que ela é maior e mais refinada do que parece. Ela bem sabe que é preciso manter o personagem para subir na vida, ou para, simplesmente, aproveitar o momento, provando que não é fácil ser uma “garota fácil”.