Sasha tem 8 anos. Nasceu menino mas, desde os 3 anos, dizia que queria ser menina ao crescer, o que causou primeiro perplexidade, depois empatia e compreensão de seus pais, dando início à batalha sutil que compõe este documentário singular, dirigido por Sébastien Lifshitz.
Uma das forças deste documentário é justamente tratar de um assunto delicado, abordado em forma de ficção por exemplo em Minha vida em cor-de-rosa, de Alain Berliner (1997) e Tomboy, de Céline Sciamma (2011). Ao mostrar um caso real em primeira pessoa, tudo se torna mais urgente e incontornável, até mesmo as emoções de cada espectador.
Nada pode ser mais eloquente para compreender o significado profundo desta escolha do que acompanhar o cotidiano de Sasha e sua família, moradores de uma cidade média no noroeste da França. Aquilo que é normal e corriqueiro para qualquer criança, como escolher as roupas com que vai à escola ou convidar um/uma coleguinha para vir a sua casa, para ela é um desafio. A própria mãe conta que teve que passar por um processo de aceitação até culminar em sua adesão completa ao desejo da filha, custe o que custar. Um dos pontos altos é a sinceridade apaixonante dessa mãe em suas confissões para a câmera, Ela coloca o espectador como que sentado na mesa de sua cozinha, compartilhando as angústias de cada decisão que precisa ser tomada a respeito de Sasha, permitindo-lhe questionar os próprios preconceitos a respeito.
Se o contexto familiar, que inclui ainda Soline, a irmã mais velha, e dois irmãos, Vassili e Vadim, além do pai, é amoroso e acolhedor, o mesmo não acontece no mundo lá fora. Ainda que não haja imagens da escola frequentada por Sasha, as notícias que chegam através de seus relatos e os dos pais não são animadoras. O diretor e os professores de Sasha não demonstram a mesma disponibilidade para compreender o caso da menina, chegando a atribuir à mãe a “culpa” por sua situação, por ter desejado demais ter outra filha na gravidez. Um primarismo de raciocínio que chega a assustar, em se tratando de educadores, mostrando o quanto a questão transgênero é desconhecida mesmo neste ambiente.
O recurso a uma psicóloga especializada em questões de disforia de gênero de Paris, Anne Barghiacci, lança mais luz nestas sombras, fornecendo caminhos que podem tornar Sasha mais livre e feliz, vivendo como uma menina. É inegável que ela muda de semblante a partir do momento em que se livra das roupas de menino e passa a usar maiô e vestidos. Mas, como sua mãe não ignora, há muitas batalhas pela frente. Como demonstrou a própria intolerância de educadores de sua escola, há muito o que vencer no resto de sua vida, apesar da sorte inegável de contar com uma família tão consciente e amorosa. .