14/02/2025
Romance Drama

Amor à flor da pele

Na Hong Kong de 1962, dois casais mudam-se para a mesma pensão no mesmo dia, morando em quartos contíguos. Logo o sr. Chow e a sra. Chan descobrem algo em comum - seus respectivos cônjuges estão tendo um caso. Convivendo para encontrar um modo de lidar com a situação, os dois se aproximam.

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As coincidências e repetições que povoam os filmes sempre elegantes do diretor chinês Wong Kar-wai ganham força de rituais, na meticulosidade com que são executados e produzem seu sentido - gerando, por vezes, um sufocamento, por aprisionarem sentimentos, impedidos de seguir seu estado puro. 
 
Nunca na obra de Kar-wai isto foi tão nítido quanto em Amor à Flor da Pele que, 20 anos depois de seu lançamento no Festival de Cannes, ganhou em 2020 uma restauração 4k que resgatou o extraordinário manejo das cores dos diretores de fotografia Christopher Doyle e Mark Lee Ping-bing, atualizando a atmosfera de túnel do tempo que emoldura esta delicada história de uma paixão. 
 
Os enamorados são chamados simplesmente de sr. Chow (Tony Leung, prêmio de melhor ator em Cannes) e sra. Chan (Maggie Cheung). Não há primeiros nomes trocados neste relacionamento que nasceu de um acaso, a partir da mudança dos dois para o mesmo endereço, num mesmo dia, na Hong-Kong de 1962. 
 
Alugando quartos contíguos numa mesma pensão, os dois compartilham a suspeita, depois a mágoa, de serem traídos pelos respectivos cônjuges - cujos rostos o diretor jamais nos permite ver, em mais um ritual de ocultamento e revelação como outros que atravessam o relato.
 
A maneira como os corpos ocupam o espaço não é jamais ostensiva. Usando um vestido diferente a cada cena (conta-se que o figurino original compreendia 46 vestidos para Maggie, nem todos usados), a sra. Chan desliza sua solidão silenciosa pelos corredores da pensão, o escritório onde trabalha como secretária, as ruas sempre vazias no caminho de volta para casa ou a escada que leva a um restaurante onde ela compra macarrão - trajeto que frequentemente divide com o sr. Chow.
 
A narrativa extrai a sintonia neste paralelismo de solidões, em que cada vez mais eles medem as reações um do outro diante do abandono dos respectivos parceiros. Olhares são fundamentais nesta história para criar uma intimidade que é sempre mantida sob controle, o que se torna, contraditoriamente, uma medida da intensidade com que o imaginário de ambos está completando o que não concretiza à nossa vista, exceto por um roçar de mãos.
 
Toda a direção de arte, a fotografia e em especial a primorosa música de Shigeru Umebayashi, associada a três famosos boleros na voz macia de Nat King Cole, combinam-se com precisão para revelar esta dança entre os dois protagonistas, que se entregam a jogos de encenação em que se prometem “não ser como eles”, ou seja, como seus cônjuges traidores. 
 
Evidentemente, muito mais se passa entre intenções e possibilidades e o filme é sugestivo o bastante para deixar que se construam na imaginação do espectador todas elas, oferecendo na tela a moldura mais sedutora para aquilo que propõe. Pobre de quem não pode entender do que é capaz um grande amor assim. 
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