16/02/2025
Melodrama

A flor do meu segredo

Leo Macías é uma escritora de sucesso, escrevendo sob o pseudônimo de Amanda Gris romances melosos. Mas ela está em crise com esta literatura, assim como com seu casamento com o militar Paco, que optou por uma missão no exterior e foge de seu contato.

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 A flor do meu segredo é um dos filmes mais metalinguísticos de Pedro Almodóvar. Por trás do drama conjugal da escritora Leo Macías (Marisa Paredes), o diretor constrói camadas de espelhos que refletem diversas linguagens artísticas que têm em comum o uso de algum tipo de artifício ou dualidade para se expressarem.
 
Assim, Leo se esconde atrás de um pseudônimo, Amanda Gris, para escrever romances açucarados, em ambientes luxuosos  e obrigatoriamente de finais felizes, recorrendo a uma colagem de incidentes e inspirações colhidos em livros diversos - numa espécie de plágio ou reciclagem (de seus próprios textos, talvez), como que considerando a velha máxima de que tudo já foi dito ou inventado a esta altura do mundo. A trágica ironia disso é que a vida sentimental da autora, com um casamento em ruínas com o militar Paco (Imanol Arias), é muito mais complicada do que seus romances.
 
A cozinheira de Leo, Blanca (Manuela Vargas), por sua vez, é uma ex-bailarina de flamenco, que o filho, Antonio (Joaquín Cortés), deseja levar de volta aos palcos a seu lado. Para isso, uma pequena ajuda financeira poderá ser encontrada no lixo de Leo, também apropriando-se de um texto literário, prestes a virar roteiro de um filme.
 
Toda esta construção metalinguística é sutil, costurada no roteiro, e pode passar despercebida para quem simplesmente quiser fixar-se no amor contrariado de Leo, seus embates com a mãe (Chus Lampreave), ficando cega e recusando uma operação, para desespero da outra filha, Rosa (Rossy de Palma) - compondo, estas três, um modelo daqueles deliciosos e delirantes núcleos familiares almodovarianos.
 
Há um tempero de mistério também, porque ninguém sabe quem é Amanda Gris, por opção de Leo, a quem acaba sendo atribuída a tarefa de escrever uma crítica sobre seus romances por um editor do El Pais, Ángel (Juan Echanove), incorporando mais um canal de expressão, a crítica jornalística. E também mais um personagem a este círculo de amores deslocados. 
 
A música, como sempre, é um fio condutor dos climas da história, de sentimentos exacerbados, incluindo expectativas desfeitas e traições, temperadas por melodias sentimentais como En el último trago, com Chavela Vargas, Ay amor, com Bola de Nieve, e Tonada de lluna llena, com o nosso Caetano Veloso. 
 
Até mesmo a volta à aldeia natal, que conduz Leo e sua mãe às origens, em Almagro, é oportunidade para uma visita às artes locais, como a música entoada pelas mulheres enquanto tecem uma renda de bilro. Nessa passagem, em particular, Almodóvar homenageia suas próprias raízes interioranas e nos traz mais perto de uma herança comum dos sentimentos mais básicos. É quando Leo reencontra sua própria essência e se fortalece para ser capaz de viver sua própria identidade, sua própria vontade, seu próprio desejo. 
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