21/03/2025

Yago e Giovana conheceram-se numa festa e passaram a noite juntos. No dia seguinte, uma nuvem tóxica surgiu no mundo, obrigando todos a ficarem isolados dentro de casa. Os dois, nos próximos anos, precisarão aprender a conviver e também buscar um novo modo de vida.

post-ex_7
A nuvem rosa, primeiro longa da premiada diretora de curtas Iuli Gerbase, começa com um aviso: o filme foi escrito em 2017 e filmado em 2019, antes da pandemia, do lockdown e tudo o que veio junto. É bom que já deixa claro: não é um filme oportunista, como tantas coisas que surgiram nos últimos meses, e outras que devem aparecer nos próximos anos. O que mais impressiona é como o longa é plausível nas situações criadas diante do isolamento, da ansiedade, do medo, enfim, de todos os sentimentos e sensações que as pessoas têm enfrentado desde 2020.
 
Gerbase, que também assina o roteiro, criou uma situação-limite, que, estranha e premonitoriamente, reflete nosso presente. O elemento de ruptura aqui não é um vírus, mas uma nuvem rosa, tóxica e desconhecida, que mata rapidamente todos que a respiram. Assim, as pessoas são obrigadas a ficar fechadas em seus apartamentos e casas, a vedar portas e janelas. Um novo sistema de entrega de comida, remédios e outros artigos é desenvolvido. Os personagens centrais são Giovana (Renata de Lélis) e Yago (Eduardo Mendonça), que se conheceram na noite anterior, sendo obrigados a conviver no mesmo apartamento.
 
No começo, imagina-se que a nuvem deve ir embora logo, mas os dias vão passando e nada acontece. Ao mesmo tempo, Giovana e Yago ficam, obviamente, mais próximos, desenvolvendo aquilo a que se pode chamar de um relacionamento, envolvendo sentimentos e sexo. Interessam à diretora mais as dinâmicas sociais e pessoais do que o movimento global em relação à nuvem. Assim, acompanhamos a dupla, que se comunica com parentes e amigos por celular e internet.
 
A ficção científica, quando bem feita, é um gênero que revela, como nenhum outro, um mal-estar social, graças ao estranhamento que é capaz de causar. Para isso, é preciso um elemento novo, desconhecido (seja uma tecnologia, uma criatura, um planeta...) e aqui é a nuvem que surgiu do nada. A falta de explicação para isso é um dos grandes trunfos do filme. Não há necessidade de a justificar, pois, sem que se perceba, essa nuvem sempre esteve entre os personagens do filme (e nós). Ela apenas ganhou forma, assim explicitando elementos que estavam encobertos por um véu das dinâmicas sociais, que foi esgarçado com o novo elemento no céu.
 
Visualmente, o filme é de um cuidado impressionante. A fotografia do premiado Bruno Polidoro é límpida e precisa, transitando entre tons de rosa e evidenciando como a nuvem – mesmo do lado de fora – atinge e consome os personagens. A câmera, praticamente, nunca sai do apartamento onde estão Giovana e Yago. Os anos passam e a dupla, assim como o mundo, se transforma, se adapta para viver com esse mal. O fato de que o mundo é praticamente mantido às cegas, com poucas informações sobre essa manifestação sinistra, talvez indique que, simbolicamente, ela seja mais do que um mal-estar causado pela natureza. Seria a bela nuvem cor-de-rosa o símbolo de uma ideologia? Ou, mais do que isso, ela é a evidência que escancara uma forma de dominação, até então escamoteada?
 
Novamente, Gerbase não está atrás de respostas. A ela interessam as transformações causadas quando algo dessa magnitude vem à tona. O filme transita do sublime ao assustador com muita facilidade e verossimilhança. A diretora se mostra competente no domínio tanto da narrativa quanto da cena. Há momentos de humor muito bem pensados diante de situações inusitadas, mas é no comentário político e social que A nuvem rosa cresce. Talvez o filme soe como um tanto assustador para assistir no momento em que vivemos, mas sua compreensão, generosamente, pode jogar uma luz sobre o nosso presente. 
post