18/02/2025
Fantasia Aventura

A Lenda Do Cavaleiro Verde

Num dia de Natal, no castelo do Rei, Sir Gawain aceita um desafio do mítico e perigoso Cavaleiro Verde, cortando fora sua cabeça. A criatura sobrevive e avisa que, exatamente um ano depois, o rapaz deverá reencontrá-la na Capela Verde.

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A Lenda do Cavaleiro Verde é um filme peculiar. Talvez seja exagero dizer que nunca se viu nada igual antes, mas, de qualquer forma, há muito tempo não se via nada com a mesma potência, tanta criatividade e visualmente tão deslumbrante. Seu diretor e roteirista, David Lowery, construiu uma carreira segura, com filmes independentes como o (merecidamente) cultuado Sombras da Vida e O velho e a arma. No entanto, nada em sua filmografia dava pistas da sua competência para realizar um épico medieval, embora sempre tenha dado mostras desse vigor estético de que ele tão bom uso aqui. Por isso, o longa é, em certa medida, ao mesmo tempo, uma surpresa e não.
 
Lowery parte de um poema inglês medieval, do século XIV, que, ao longo dos tempos, teve diversas traduções para o inglês moderno e é uma das histórias mais conhecidas do ciclo literário arthuriano (o conjunto de obras em torno do rei Arthur e figuras que o cercam). De autoria anônima, Sir Gawain e o Cavaleiro Verde acompanha a saga de um ano na vida de Sir Gawain, sobrinho de Arthur, que enfrentou o Cavaleiro Verde, decapitando-o num dia de Natal. No Natal seguinte, deverá se entregar a ele e perder sua cabeça.
 
Gawain é interpretado por Dev Patel, um ator de tamanha presença na tela que é capaz de traduzir tanto a valentia quando a vulnerabilidade do personagem. Era mesmo preciso um intérprete dessa magnitude, que trouxesse ao protagonista as nuances que essa figura demanda. Ele não é necessariamente valente mas, num momento de valentia, colocou sua vida em risco.
 
É Dia de Natal, e Gawain acorda ao lado da prostituta a quem ama, Essel (Alicia Vikander), e vai a um banquete na casa do tio (Sean Harris), onde, inesperadamente aparece o Cavaleiro Verde (Ralph Ineson), uma criatura gigante e assustadora que desafia todos a um simples jogo: quem o atacar receberá riqueza e glória mas, um ano depois, deve se apresentar na Capela Verde e receberá em troca o que foi dado ao Cavaleiro Verde.
 
Gawain vê na possibilidade de atacar a criatura verde a oportunidade de demonstrar seu valor e sua honra para o rei e a rainha (Kate Dickie). Por isso, não hesita. Pouco menos de um ano depois, está ele na estrada rumo à Capela Verde, que fica seis noites rumo ao norte. Essa jornada é o material perfeito para Lowery e seu diretor de fotografia, Andrew Droz Palermo, deixarem a imaginação correr solta. O resultado é uma odisseia medieval majestosa e sombria, marcada por criaturas míticas e forças naturais, além das paisagens e cenários.
 
Há um apelo que remete tanto à trilogia de O Senhor dos Anéis quanto a Games of Thrones, mas Lowery criou seu próprio animal selvagem em A Lenda do Cavaleiro Verde, numa história repleta de ambiguidades sobre cobiça, ambição e sede de poder. Em sua jornada, Gawain, cuja figura pode remeter a um santo católico, encontra obstáculos, especialmente em forma de pessoas ou criaturas. Como um ladrão (Barry Keoghan), ou a santa Vinifrida (Erin Kellyman), em busca de sua cabeça jogada no fundo de um lago por um homem que a queria desposar, ou ainda seres gigantes e majestosos num vale, a quem o protagonista pede carona.
 
Lowery segue de perto o poema, mas trabalha com uma linguagem mais próxima da contemporânea do que do inglês medieval, que provavelmente tornaria o filme impraticável. Letreiros marcam os episódios da jornada de Gawain, que encontra o clímax num castelo onde é abrigado por um cavaleiro (Joel Edgerton) e sua mulher (também interpretada por Vikander). É nesse segmento que o protagonista sofre as grandes tentações – especialmente da carne, colocando à prova ele mesmo, num jogo de sedução tanto por parte do lorde quando da dama.
 
Ao final de contas, como tantas narrativas medievais, A Lenda do Cavaleiro Verde é um conto moral. O questionamento que Gawain (em português também conhecido como Galvão) enfrenta é de foro pessoal. Poderia ser uma história simples e destituída de nuances, mas Lowery e sua equipe são capazes de construir um apelo visual tão gigante que supera qualquer contenção que a história do homem que desafiou o Cavaleiro Verde poderia ter. 
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