Nascidos na cidade de Lourdes, na França, os irmãos Arnaud e Jean-Marie Larrieu prestam uma bela homenagem à sua terra natal na melancólica comédia musical Tralala. Combinando uma ideia de religiosidade – influência do ambiente de constantes peregrinações – de forma delicada com uma música melodiosa, o filme é um acerto de ponta a ponta.
Mathieu Amalric faz o personagem-título, Tralala, um músico sem-teto que se abriga numa casa abandonada – prestes a ser demolida – e ganha a vida tocando sua guitarra pelas ruas. Até que um dia encontra uma jovem desconhecida (Galatéa Bellugi), que lhe diz: “Acima de tudo, seja você mesmo”. Pelo seu delicado rosto angelical e a blusa azul, ele se convence de que ela é a Virgem Maria e segue caminho até Lourdes, em busca de uma nova aparição.
O roteiro, também assinado pelos irmãos Larrieu, é de grande delicadeza e humor no trato de temas religiosos. Sem nunca cair num desrespeito chulo ou na reverência banal, o filme olha seu cenário e as pessoas que o povoam com carinho. Tralala é marcado por padres, freiras, romeiros e romeiras de Lourdes – possivelmente uma realidade que a dupla de diretores conhece bem desde a infância.
Chegando a Lourdes, após sua guitarra ser jogada num rio por um homem furioso (Denis Lavant), agora o músico toca um pequeno banjo pelas ruas da cidade à espera de uma nova aparição, mas que se manifesta de outra forma: Lili (Josiane Balasko), uma simpática senhora que vê em Tralala seu filho desaparecido Pat. Sem nada a perder, o protagonista confirma que é o rapaz e ganha uma nova família, depois de convencer seu “irmão”, o também músico Seb (Bertrand Belin).
Tudo isso acontece com muita música e um leve tom de comédia de enganos e desencontros. Amalric se sai muito bem cantando e tocando o banjo, mas, claro, Belin, músico profissional, além de ator, está muito melhor, especialmente, em sua música na qual duvida de que o desconhecido seja seu irmão – mas acaba convencido, novamente, por uma canção.
Outro belo momento é protagonizado por Jeannie (Mélanie Thierry), uma antiga paixão de Pat que pode ser a única pessoa a conhecer a verdade. Angustiada, a jovem começa a cantar numa loja de artigos religiosos tentando decidir o que deve fazer em relação ao protagonista. O cenário todo azulado e a doce melodia da canção fazem dessa cena algo memorável.
Evocando o espírito dos musicais de Jacques Demy, embora filtrado às sensibilidades contemporâneas, Tralala é um filme de rara energia contagiada pelos números musicais – nenhum exagerado, todos no tom da narrativa – e a presença de um elenco afiado e afinado.