Desde seu título e suas primeiras imagens à sua epígrafe, que cita Fernando Pessoa, o documentário Os ossos da saudade se estabelece como um filme poético, no qual a natureza e as criações humanas ora dialogam, ora se complementam, mas também se confrontam - como um navio encalhado e enferrujado numa praia, uma cruz no meio do mar.
Um coprodução entre Brasil, Portugal, Angola, Moçambique e Cabo Verde, o documentário de Marcos Pimentel é um olhar sobre o que e como se constituem nossas memórias. O que retemos das nossas histórias, se isso é um processo sobre o qual não temos total controle? Pessoas desses países falam sobre suas lembranças e seus passados.
Este é um documentário bastante particular, que se constrói em seu tempo próprio, sem a urgência da contemporaneidade, privilegiando suas imagens, que vão desde animais num aquário a ensaios de balé e construções abandonadas.
“A memória dói”, diz uma mulher. “Por isso, quando estão velhinhas, as pessoas vão se esquecendo das coisas.” Essa, possivelmente, é a fala que melhor sintetiza o filme. A dor da lembrança daquilo que já foi. O mar, explica outra entrevistada, simboliza, com suas idas e vindas, o processo de recordar e esquecer.
O transito entre países guia a narrativa do longa. As separações e ausências estão presentes nas falas, nas lembranças e recordações. Pessoas que abandoaram seus países em busca de uma vida diferente, e as transformações e descobertas a partir da condição de estar longe de casa.
A distância se torna um elemento fundamental na construção da identidade individual, assim como o retorno prova a possibilidade da emancipação. Voltar ao seu próprio país como outra pessoa, que conhece muito bem a si mesmo. As vozes do documentário de Pimentel mostram como o trânsito pode ser tão necessário quanto libertador.