Grande vencedor do Festival de Gramado 2022, o longa brasileiro Noites Alienígenas, de Sérgio de Carvalho, traz um relato de uma juventude perdida nos confins da Amazônia, invadida pelo narcotráfico e assolada pela destruição ambiental e das culturas indígenas originais. No festival gaúcho, Noites Alienígenas venceu os troféus de melhor filme para o júri oficial e paro o júri da crítica, ator (Gabriel Knoxx), atriz coadjuvante (Joana Gatis), ator coadjuvante (Chico Díaz) e menção honrosa para o ator Adanilo Reis.
Ostentando o pioneirismo admirável de ser o primeiro longa para cinema já realizado no Acre, Noites Alienígenas sintetiza o esforço imenso para realizar esta obra, que ainda colheu os últimos frutos da descentralização de políticas públicas promovidas pelo extinto Ministério da Cultura - cuja ausência, agora, apenas demonstra a imperiosa necessidade de sua reinstalação, para que cada canto do Brasil possa ter sua expressão artística.
O filme nasce de uma história do próprio Sérgio de Carvalho, um paulista formado em Cinema no Rio de Janeiro que se radicou no Acre há 20 anos e já tem uma carreira como documentarista (Empate) e diretor de séries de TV (Nokun Txai e O Olhar que vem de Dentro). Nestes últimos tempos, ele assistiu in loco a chegada das facções criminosas do tráfico do sudeste, seguindo o mesmo modus operandi que presenciara no Rio, com execuções às dezenas, especialmente entre os jovens sem estudo ou oportunidades que as integram.
Antes do filme, Carvalho escreveu o livro que serviu de base a um primeiro tratamento do roteiro, que foi recebendo inúmeras modificações. Entre elas, o destino do personagem Paulo (Adanilo Reis), jovem indígena que tem sua vida destroçada pela dependência química. No livro, Paulo é morto, mas Carvalho sentiu a absoluta necessidade de mudar seu destino no filme. “No Brasil de Bolsonaro, não dá para matar mais nenhum único índio, mesmo na ficção”, afirmou o diretor, na coletiva em Gramado.
Nome mais famoso do elenco, Chico Díaz interpreta Alê, um traficante independente, não membro das facções e que tem como empregado o jovem Riva (o rapper Gabriel Knoxx), um desses rapazes perdidos na periferia de Rio Branco. Outra personagem marcante é Beatriz (Joana Gatis, que também é figurinista no cinema pernambucano), mãe de Riva, que interpreta uma das cenas mais tocantes do filme, ao lado de Díaz.
Chico Díaz contou em Gramado que sua ligação com o Acre veio de alguns anos atrás, quando foi chamado a participar do festival Pachamama, que reúne filmes brasileiros e latino-americanos e é uma das mais marcantes iniciativas locais - este ano, infelizmente, não acontecendo por ter sido impossível arrecadar orçamento suficiente,conforme a produtora Karla Martins, produtora também do longa.
Deste contato, Díaz criou um vínculo de afeto com a região, onde ele enxergou “uma integração mais harmônica com a cultura indígena, diferente, por exemplo, da extrema violência no Mato Grosso do Sul”. Por isso, quando Karla o convidou para integrar o elenco do filme, ele aceitou imediatamente.
A fotografia de Pedro Kruger é outro elemento consistente na produção, que integra elementos do ritual do ayuasca e pontua o realismo de sequências violentas com a incidência eventual de um toque surreal - como a sugestão da passagem de um disco voador. Tudo isso cria uma obra que inquieta, sacode e permanece na pele do espectador por longo tempo depois que a projeção terminou.