Uma acusação de estupro está no centro de A Acusação, o sétimo longa dirigido pelo também ator Yvan Attal - parte de um notável clã artístico, integrado por sua mulher, Charlotte Gainsbourg, e o filho do casal, Ben Attal, ambos parte do elenco.
Adaptando livro de Karine Tuil, com roteiro assinado por ele mesmo e Yaël Langmann, Attal põe o dedo numa ferida polêmica que, em nossos tempos, acendeu novas discussões, especialmente após o movimento #MeToo. A perícia do diretor está em conduzir a contento um jogo de mostrar e esconder situações sobre os envolvidos na trama, colocando o espectador como que na cadeira dos jurados, pesando seus próprios sentimentos sobre o que vê - ou não.
Alexandre Farel (Ben Attal) é um jovem rico, filho de um famoso apresentador de TV, Jean Farel (Pierre Arditi), e uma celebrada ensaísta feminista, Claire (Charlotte Gainsbourg). Ele estuda nos EUA, na prestigiada Universidade de Stanford, e vem à França para participar de uma homenagem a seu pai. Seus pais, aliás, são divorciados. A mãe tem um novo companheiro, Adam Wizman (Mathieu Kassovitz).
Adam tem uma filha, Mila (Suzanne Jouannet), que recentemente veio morar com ele e Claire. Quando Alexandre os visita, sua mãe sugere que o rapaz leve Mila consigo a uma festa de amigos, para que se conheçam melhor. É justamente nessa ocasião que acontece o alegado estupro, que leva Alexandre à prisão no dia seguinte.
Compartilhando informações sobre estes personagens e suas vidas a conta-gotas, Attal deixa em aberto o que realmente aconteceu, disparando a primeira pergunta de seu filme: afinal, podemos realmente saber qual é essa verdade, já que os pontos de vista são tão distintos, quando não inconciliáveis ?. Detalhes da festa irão, progressivamente, adicionando complicadores ao que se assiste, levantando mais perguntas do que respostas sobre os limites do consentimento e a definição de abuso.
Outra qualidade do filme é não se limitar às sequências de tribunal - que também estão presentes -, colocando em questão o que está implícito nos papeis sociais masculinos e femininos. Para isso, põe-se em evidência as diferenças dos ambientes e das mentalidades em torno de Alexandre, filho de um homem rico e notoriamente mulherengo, e Mila, filha de uma mãe judia ortodoxa e extremamente rígida (Audrey Dana).
Os debates do tribunal são também afiados e eficientes, por conta da boa escrita do roteiro e das interpretações dos advogados, Benjamin Lavernhe, como o defensor de Alexandre, Judith Chemla, a de Mila. A soma de todos esses elementos compõem um filme complexo, denso, que não busca uma redenção ou apoteose em particular, como tantos dramas de tribunal norte-americanos. Na verdade, cada cena, cada diálogo, somam mais questionamentos e é bem provável que cada espectador deixe a sala de cinema com mais perguntas do que respostas. A única certeza final é de que o episódio tem consequências dolorosas e irreversíveis, tanto para os dois jovens envolvidos quanto para seus pais