16/03/2025
Drama

Ela disse

Em 2016, duas repórteres do jornal "The New York Times", Megan Twohey e Jodi Kantor, começam a investigar as acusações de abuso sexual contra o produtor Harvey Weinstein. E assim encontram o fio da meada de um processo de denúncias que levou ao movimento #MeToo. No Prime Video.

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Disputando uma vaga entre os grandes filmes sobre jornalismo, Ela Disse, de Maria Schrader, resgata a história das repórteres Megan Twohey e Jodi Kantor, que, em 2017, publicaram no jornal The New York Times a reportagem que denunciaria ao mundo a condição de predator sexual reincidente do poderoso e premiado produtor de cinema Harvey Weinstein.
 
Repórteres e mulheres normais, mães de família e não estrelas do jornalismo, elas investigaram por meses as denúncias de assédio e estupro envolvendo Weinstein, que eram largamente conhecidas há anos, à boca pequena, nos bastidores da indústria cinematográfica, sem que nenhuma das vítimas tivesse vindo a público. Além do medo da exposição e da desmoralização, por acusações de difícil comprovação - por terem ocorrido a portas fechadas, não raro sem testemunhas -, várias dessas mulheres haviam sido coagidas, inclusive pelos próprios advogados, a assinarem acordos fora dos tribunais, que lhes garantiam indenizações em troca do compromisso assinado de silêncio.
 
Resgatando uma atmosfera de filmes deste gênero, que tem entre seus grandes exemplares em Spotlight - Segredos Revelados (2016) e Todos os Homens do Presidente (1976), a história coloca sua energia na mão de duas atrizes muito competentes e carismáticas, Carey Mulligan como Megan e Zoe Kazan como Jodi. Ambas carregam o filme com uma singular humanidade, desprovidas da aura de heroínas, investindo todo seu tempo e suas capacidades para desvendar as redes de proteção em torno de Weinstein, que envolvia desde seus funcionários ao próprio sistema legal, que permitia esses indecentes acordos de confidencialidade que, na verdade, protegiam o agressor, que se sentia seguro para seguir adiante com seus crimes em série.
 
Entre as vítimas, destaca-se a participação inclusive de uma real, a atriz Ashley Judd, que comparece em carne e osso no elenco, vivendo a história da qual ela foi uma das protagonistas essenciais.Ela inaugura uma galeria de personagens que são igualmente indispensáveis para sustentar o enredo, as vítimas, que, individualizadas em suas compreensíveis hesitações, vão compondo o contexto geral de uma verdadeira história de terror, que atingiu também as atrizes Rose McGowan e Gwyneth Paltrow, cujas fotografias são usadas no filme. 
 
Não escapa à diretora - que anteriormente conduziu a notável minissérie Nada Ortodoxa - o grande crime perpetrado pelo agressor, destruindo ou marcando com ferro em brasa as vidas e as esperanças de tantas jovens, que apenas sonhavam com uma carreira. Neste sentido, vítimas como as ex-funcionárias da Miramax, Laura Madden (Jennifer Ehle) e Rowena Chiu (Angela Yeoh), transformam os dilacerantes relatos de suas experiências em algo vivo, que a plateia pode compartilhar junto com as repórteres, tentando febrilmente dar consistência à sua reportagem - que, como poucas, foi capaz de moldar mudanças num futuro não muito distante. Afinal, não só Weinstein foi processado e preso, como mudou completamente a percepção que se tem hoje dos relatos de assédio sexual no trabalho, materializada no movimento #MeToo.
 
Repórter que viu sua reportagem sobre dois casos de assédio praticados por Donald Trump não impedirem sua eleição como presidente, Megan Twohey pôde desfrutar da satisfação de não ver essa impunidade replicada em Weinstein, condenado a 23 anos num único processo, com dezenas de outros pendentes.
 
Por outro lado, não deixa de ser alentador um filme que demonstra como o jornalismo pode ser realmente relevante e fazer a diferença - embora nem sempre (ou quase nunca) os principais órgãos de imprensa tenham a coragem de oferecer as condições necessárias aos seus profissionais para produzirem histórias como esta, correndo riscos ao contrariarem interesses poderosos e escusos. 
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