Gabriele Amorth (1925-2016) foi um padre italiano que trabalhou por 30 anos no Vaticano, tendo praticado milhares de exorcismos. As memórias de suas experiências extraordinárias inspiram O Exorcista do Papa, do australiano Julius Avery, em que o protagonista é defendido pelo neozelandês Russell Crowe com um misto de gravidade e ironia.
Pessoa de confiança do papa (Franco Nero) - que, na época da história, 1987, era João Paulo II, embora seu nome nunca seja mencionado -, padre Gabriele mantém uma postura aguerrida diante de um trabalho difícil e controverso. Mesmo dentro da Igreja, há quem considere suas práticas duvidosas, caso do jovem cardeal Sullivan (Ryan O’Grady). É fato, no entanto, que o próprio exorcista considera que em 98% dos casos para os quais é chamado, trata-se de missões para psiquiatras. Só 2% teriam realmente causas demoníacas.
Ocupa a maior parte do filme um caso desses, ocorrido numa antiga abadia na Espanha. Uma família norte-americana vem tomar posse do lugar para reformá-lo e vendê-lo e o garoto Henry (Peter DeSouza-Feighoney) é aparentemente possuído. O padre Gabriele é chamado e desencadeia-se um duelo contra aquele que demonstra ser um demônio de grosso calibre.
A parte mais interessante do delirante roteiro, assinado por Michael Petroni, Evan Spiliotopoulos e R. Dean McCreary, refere-se a segredos obscuros da história da Igreja, envolvendo os horrores da Inquisição espanhola no século 15. Mas o detalhe acaba perdido na necessidade manifesta do diretor de promover exibições escatológicas e regadas com muito sangue em torno do menino possuído - provavelmente tendo em vista aquilo que o público de terror costuma procurar.
Na composição do personagem, Crowe até alivia a seriedade da missão com notas cirúrgicas de humor. O padre demonstra uma certa liberalidade para soltar um ou outro palavrão e até tomar uma pequena dose de uísque para relaxar. Estes toques humanizam o personagem, que terá no jovem padre Esquibel (o ator costarriquenho Daniel Zovatto) um parceiro no combate feroz às artes das trevas. Numa situação mais amena, eles poderiam até tornar-se aquelas duplas de policiais em que a experiência de um e a vitalidade do outro se complementam. Mas neste tipo de filme a motivação do espetáculo é trash demais para que essa brodagem se afirme assim.
É, portanto, o caso de perguntar o que um papel deste acrescenta à carreira de um ator como Crowe, dono de um Oscar por Gladiador (2001) e que por muito tempo alternou-se em papeis sutis, sérios e aventurescos ? Não à toa, o jornalista Stuart Heritage, do jornal britânico The Guardian, o definiu, no ano passado, como um “novo Nicolas Cage”, justamente referindo-se ao projeto deste filme. Parece ser mesmo o caso de dois atores que resolveram jogar tudo pro alto e sua carreira junto.