Embora o título nacional Visões de Ramsés faça pleno sentido, pode dar um ar um tanto equivocado ao remeter à primeira referência que nome traz: múmias do Egito. Não poderia estar mais longe disto. O título original do filme, Goutte d'or, remete tanto ao bairro francês onde se passa o filme, como a um pingente em forma de gota de ouro, usado pelo protagonista, que tem um papel simbólico dentro da narrativa.
Ramsés é interpretado com sagacidade e garra por Karim Leklou, um ator até agora centrado em papeis coadjuvantes que, finalmente, ganha um papel à altura de seu talento. E ele brilha na tela como o vidente charlatão que ganha a vida aplicando golpes em seus clientes – na maioria, imigrantes africanos que compõem boa parte da população do bairro.
Seu modus operandi é simples: antes de atender à pessoa, ele faz uma vistoria em suas redes sociais, descobre detalhes que poderiam passar despercebido e cria suas “visões” a partir daí. Ele faz sucesso, e isso está causando problemas com outros profissionais da mesma área que também atuam na região. Todos têm uma convivência harmoniosa, dividindo os clientes por etnias, mas Ramsés não está mais respeitando isso.
Quando uma gangue juvenil começa a tomar conta do bairro, causando pânico, Ramsés, aparentemente, tem uma visão real, que o leva ao corpo de um dos garotos que foi assassinado e jogado numa construção. Ele o resgata em segredo, enquanto os amigos do menino estão desesperados à procura do desaparecido.
O protagonista é uma figura à qual o filme está completamente colado em tempo integral. Acompanhamos sem cessar sua longa jornada noite adentro, repleta de nuances e contradições. O diretor Clément Cogitore cria uma narrativa de muita intensidade, que transita entre o caldeirão cultural do bairro, marcado pela vida dos imigrantes em condições, muitas vezes, degradadas.
Como boa parte da ação se passa nas ruas à noite, a fotografia de Sylvain Verdet é impressionante no sentido de captar não só a efervescência da região, mas também a tensão social que marca o bairro. Visões de Ramsés tem enorme simpatia por essas pessoas, assim como também por seu protagonista. Ele pode viver, efetivamente, de dar pequenos golpes, mas, como as pessoas que o cercam, foram levados à vida que vivem por força das circunstâncias.
