26/03/2025
Drama

Seus ossos e seus olhos

João é um jovem cineasta que está vivendo uma crise. Fala sempre ao celular e, entre uma ligação e outra, reencontra uma antiga amiga, conhece um rapaz no metrô e o leva para sua casa.

post-ex_7
Numa era em que a comunicação é tão acessível a todos, parece que conversamos de verdade cada vez menos. Seus olhos e seus ossos, escrito, dirigido e montado por Caetano Gotardo, diagnostica isso, entre outras coisas. É um filme sobre reencontros e, de certa forma, sintomático dos últimos anos, da vida pós-pandemia, embora tenha sido pensado antes disso.
 
Gotardo interpreta também o protagonista, João, um jovem cineasta em crise. As cenas do filme são marcadas pelos encontros e reencontros dele. Entre uma coisa e outra, o vemos na rua conversando ao celular. A primeira reunião é com uma antiga amiga, Irene (Malu Galli), que acaba levando-a a um longo monólogo sobre o encontro com um homem que ela amou.
 
Há, então, um reencontro com o namorado, Álvaro (Vinícius Meloni), e, depois, uma tarde de sexo com um desconhecido que encontra no metrô, interpretado por Carlos Escher. Essas cenas, e as outras, geram conversas que vão do pessoal a questões políticas e o estado das coisas, gerando uma proximidade emocional entre os personagens, e também com o público.
 
Nesse sentido, Seus ossos e seus olhos é um filme não apenas sobre falas, mas uma dinâmica dialética: a da escuta também. Por isso, há momentos em que apenas um personagem fala, e o outro e nós escutamos, e, a partir disso, delineamos um perfil das personagens.
 
O espaço urbano é outro ponto central no filme. São Paulo surge mais do que como cenário, mas como uma área interativa com a qual os personagens se relacionam. Da entrada de uma estação de metrô à Pinacoteca, os espaços urbanos são tomados pelas figuras humanas que dão função a ele. No museu, o protagonista e Irene param diante do quadro Saudade, de Almeida Júnior, e conversam sobre a imagem, mas também sobre a história de amor truncada da amiga, enquanto a câmera passeia diante da pintura, evocando, como não, o tema do próprio quadro.
 
De Éric Rohmer a Hong Song-Soo, Gotardo insere sua obra na tradição do filme composto por diálogos, construído por meio das palavras, mas sem abrir mão da construção da imagem. É um delicada investigação de como as duas ferramentas do cinema se complementam, dialogam, mas, também, se digladiam.
 
post