Drama clássico de um dos diretores mais importantes da Itália, especialmente nas décadas de 50 e 60, de onde brotam seus melhores filmes. É o caso deste, realizado em 1962 e justamente premiado com o Leão de Ouro no Festival de Veneza (troféu que dividiu com A Infância de Ivan, de Andrei Tarkovski). Adaptando o romance Cronaca Familiare, de Vasco Pratolini, Zurlini (1926-1982) percorre o extenso espectro emocional e afetivo entre dois irmãos, Enrico (Marcello Mastroianni) e Dino (Jacques Perrin). O primeiro tinha oito anos quando foi marcado pelo nascimento do segundo, que provocou a morte da mãe, de parto. Aos olhos do primogênito, Dino se torna, então, o assassino da mãe e responsável pela sua orfandade, já que o pai parte pouco depois.A morte da mãe acarreta que os dois irmãos cresçam separados. Enrico será criado pela avó (Sylvie), enquanto Dino será entregue a uma família mais rica. Essa distância criará um estranhamento entre os dois, especialmente por parte de Enrico. Mesmo adulto, ele não consegue libertar-se dessa hostilidade que sente diante do irmão menor. De sua parte, porém, Dino alimenta uma aguda curiosidade por Enrico, o que vai contribuir para derrubar o muro que os separa.Uma briga com o pai adotivo (Salvo Randone) leva o adolescente Dino ao quartinho de pensão onde o irmão vive no limite da pobreza, que já o levou a internar a avó num asilo. É nesse quarto despojado de todo o conforto material a que Dino está acostumado que o garoto descobre o universo paralelo ocupado por Enrico, homem pobre mas voluntarioso e seguidor de princípios dos quais não abre mão jamais. Dentro destas quatro paredes começa a construção de um grande afeto, apesar da aparente resistência do irmão mais velho.No delineamento deste relacionamento único é que o diretor desenvolve o melhor de seu talento, compondo um filme intimista que despreza sempre os exageros da pieguice, que contamina tantos dramas familiares - exceto, talvez, na música (de Goffredo Petrassi), cujo uso poderia ser um pouco menos insistente. Em termos do desempenho destes dois intérpretes extraordinários há sempre uma justa contenção, que trabalha a favor de um afinamento perfeito. Mediando a relação dos dois estará ainda a avó, cujas visitas no asilo expõem não só a dor de sua solidão mas a trágica situação econômica de uma Itália pré-II Guerra (um período que o filme atravessará depois).Através deste doído retrato de família, Zurlini revela, também, o melhor de sua própria natureza, que combinava aparentes paradoxos como o fato de ser cristão e comunista - embora ele, pessoalmente, tenha dito várias vezes que não via nisto nenhuma contradição. Notório homem de esquerda, o diretor foi, antes de mais nada, um vibrante humanista. É este traço, em última análise, o que transpira de seus melhores filmes, entre os quais este certamente se inclui.A volta à circulação de Dois Destinos em cinema no Brasil é outra iniciativa a se elogiar, pela importância que tem para facilitar o conhecimento da obra deste diretor - homenageado em 2001 com uma retrospectiva completa dentro da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.