Filme de abertura do Festival de Brasília 2023, Ninguém sai vivo daqui, drama de André Ristum, ficcionaliza acontecimentos no hospício de Barbacena (MG), onde se estima que teriam morrido cerca de 60.000 pessoas por maus-tratos e violência, até os anos 1980 - uma tragédia que cria uma conexão com as recentes milhares de mortes pela Covid, ocorridas também por descaso público mas que se verificaram, no entanto, em muito menos tempo.
Com um tema assim tão pesado, ainda mais baseado em fatos reais - relatado em livros como Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex, em que se baseou o roteiro e objeto da série A Colônia - Ninguém sai vivo daqui talvez não fosse o filme que se esperava para uma abertura festiva, na primeira edição do histórico festival Festival de Brasília do Cinema Brasileiro desde a recriação do Ministério da Cultura, no início de 2023. Mas certamente tem o mérito de resgatar um assunto nebuloso, varrido para debaixo do tapete, sobre as mazelas e os crimes cometidos no manejo das doenças mentais no Brasil, especialmente quando envolve as camadas mais pobres da população, transformando as internações forçadas em instrumento de repressão política, social e até moral.
A rigor, o que o filme denuncia é que várias das pessoas internadas no hospital de Barbacena sequer sofriam realmente de doenças mentais, uma violência consentida por médicos e autoridades. Na história, ambientada em 1971, as personagens principais são Elisa (Fernanda Marques), uma garota filha de fazendeiro, internada depois de engravidar do namorado; Wanda (Rejane Faria, de Marte Um, como sempre, excelente), mulher que vive na instituição há 30 anos e foi posta ali pelo mesmo motivo, uma gravidez fora do casamento; e uma jovem que é amante do prefeito e ali mantida por ele (Andreia Horta).
Assinado por Ristum, Marco Dutra e Rita Glória Curvo, o roteiro assinala a claustrofobia de um mundo sombrio - o que é reforçado pela fotografia em preto-e-branco -, em que é fácil empatizar com o sofrimento das vítimas, dominadas por um funcionário abusivo (Augusto Madeira), cujo comportamento caricatural ressalta o flerte com o filme de gênero, no caso, o terror. Nem por isso se deve deixar de assinalar a mão pesada na condução do filme, que fatalmente compromete o equilíbrio da narrativa.