O talentoso ator Mads Mikkelsen tornou-se, pela onipresença, uma espécie de Ricardo Darín do cinema dinamarquês, e do qual ele é a face mais conhecida, inclusive por estrelar diversos projetos internacionais. O versátil intérprete de 58 anos valoriza extremamente este drama de época, interpretando o capitão Ludvig Kahlen, um personagem verídico do século XVIII que tem sua biografia romanceada no livro The Captain and Ann Barbara, de Ida Jessen, ponto de partida deste roteiro.
Pode-se imaginar que há muitas lacunas em torno da figura deste capitão, filho ilegítimo de um nobre com uma criada que arranca alguma ascensão social de sua vida de 25 anos no exército. Isto lhe garante uma pequena pensão e a moradia num albergue para veteranos de guerra. Mas a ambição de Kahlen é muito maior. Ele propõe à corte dinamarquesa desbravar o território hostil e árido da Jutlândia, estabelecendo ali um projeto agrícola. O que é um sonho do rei Frederik V, que lhe dá autorização para tentar uma empreitada que parece impossível. Em troca, Kahlen pede um título de nobreza com todas as benesses correspondentes.
A evidente aridez de um solo de pedra e areia, coberto por uma vegetação de urzes, nem é o maior obstáculo aos seus planos. A extensa área da Jutlândia, afinal, é objeto da cobiça de vários nobres e proprietários rurais, como Frederik Von Schinkel (Simon Bennebjerg), uma figura tanto mais perigosa por acumular o cargo de juiz distrital.
Perverso, sádico no limite do maniqueísmo, Von Schinkel cria toda espécie de dificuldade ao capitão, que precisa contratar empregados para auxiliá-lo e enfrenta limitações legais para isso. Von Schinkel também tenta comprá-lo com um contrato que, na verdade, daria vantagens apenas a ele mesmo, o que não convence Kahlen.
Homem rígido, cujos sentimentos tornam-se de difícil leitura por trás de um rosto de pedra, o capitão consegue um aliado no jovem pastor local, Anton Eklund (Gustav Lindh). Através dele, consegue seus primeiros auxiliares, o casal Joannes (Morten Hee Andersen) e Ann Barbara (Amanda Collin), dois servos fugitivos de Von Schinkel, numa época em que os castigos físicos mais cruéis eram permitidos aos senhores.
Esconder fugitivos não é a única concessão que o rígido Kahlen é obrigado a fazer para colonizar a terra. Ele acaba também aceitando cuidar de uma pequena órfã cigana, Anmai Mus (Melina Hagberg), que praticamente impõe sua presença ao capitão. Futuramente, Anmai será parte de uma família informal integrada por Kahlen, que, fora de seu círculo, desperta o interesse romântico da nobre norueguesa Edel Helene Leising (Kristine Kujath Throp), que está prometida a Von Schinkel por seu pai mas tenta desesperadamente escapar deste acordo.
Dirigido por Nikolaj Arcel (O Amante da Rainha), o filme tem um andamento clássico de melodrama, enfatizando aspectos dúbios da personalidade de seu implacável protagonista, que demonstra uma coragem inegável para levar adiante seus planos, abalados por inúmeros reveses, ao mesmo tempo que expressa uma rigidez emocional que beira a indiferença e a crueldade em mais de uma situação. Contradições que um ator do quilate de Mikkelsen fazem por bem favorecer.
Um aspecto interessante na história é o lugar das personagens femininas. De todas elas, é a de Ann Barbara a que experimenta uma curva de desenvolvimento mais interessante, de sobrevivente a uma tragédia a uma agente determinada de sua própria história, ocupando um lugar de destaque no contraponto ao próprio Kahlen. A nobre Edel Helene, por sua vez, tem participações cirúrgicas dentro da trama, quando, a princípio, parecia que ocuparia maior espaço. E a menina Anmai Mus surpreende pela personalidade que demonstra nos embates com Kahlen, uma figura paterna substituta e controversa em sua vida.
