Filho do famoso diretor Dino Risi (1916-2008), Marco Risi imagina neste seu A Hora do Orvalho uma história que remete aos tempos anteriores à pandemia, o ano de 2018, ambientada numa casa de repouso de idosos. Traça, assim, perfis diferenciados e não-piedosos destas pessoas, cujas peculiaridades virão à tona através da convivência com dois jovens, que ali vão cumprir suas penas de serviços comunitários.
Eles são Carlo (Alessandro Fela) e Manuel (Roberto Gudese). O primeiro, um jovem riquinho e irresponsável, foi condenado por provocar um acidente de automóvel, quando dirigia bêbado, e que desfigurou o rosto de sua acompanhante (Alba De Torrebruna). O segundo, um pequeno traficante pego em flagrante.
O cotidiano de tarefas de assistência aos idosos começa como uma experiência custosa para os dois, que são supervisionados por uma enfermeira, Luisa (Lucia Rossi). Mas é também nessa convivência que ambos serão confrontados com experiências que têm o potencial de amadurecer uma visão de mundo até ali um tanto limitada.
Quem mais se aproxima de Carlo é Dino Rinoldi (Massimo de Francovich). Fotógrafo de profissão que não abandonou o hábito de fotografar tudo ao seu redor, ele tem obsessão por documentários de vida animal sobre leões e costuma jogar fora, sempre que possível, um dos remédios trazidos pelo rapaz - um antidepressivo. Dino nada tem de deprimido, aliás, e é bem agudo em suas observações sobre a realidade, rejeitando a piedade paternalista com que se costuma tratar pessoas de sua idade.
A chegada de outro idoso, Federico (Luigi Diberti), desencadeia uma reação em Dino. No passado, Dino e ele amaram a mesma mulher, mas foi Federico quem se casou com ela. Mas este, sofrendo de Alzheimer, tem sua memória prejudicada. Não lembra mais do conflito com Dino e nem mesmo se recorda das próprias poesias que escreveu e que lhe são lidas por Manuel.
Outros personagens somam-se a este núcleo, como o coronel ressentido por um drama com seu filho; um casal festivo; uma senhorinha que não desgruda de sua mala, tentando sair. Mas é importante que o enfoque geral não seja piedoso. O que está em evidência é essa particularidade de cada uma dessas pessoas e o efeito dessa convivência sobre os dois jovens - que claramente amadurecem neste contexto.
Não é um filme de grandes choques nem revelações. Marco Riso trabalha numa chave sutil tanto no enredo, que ele co-escreveu (com Francesco De Frangipane e Riccardo De Torrebruna), quanto nas interpretações. Ele deixa a cargo do espectador extrair os sentidos mais profundos destas experiências que retrata, afinal bem comuns. E reserva para o final uma referência mais explícita à pandemia em que sobe o tom ligeiramente, mas sem derramamento.
Uma nota negativa é uma personagem brasileira que aparece brevemente numa cena de Natal na casa de Carlo. Ela é a nova esposa do pai dele e vem confraternizar com a família reunida, trazendo os dois filhos pequenos. Em sua breve aparição, a brasileira é retratada como espécie de soma dos chavões preconceituosos que tantas vezes são aplicados às mulheres brasileiras no exterior, ou seja, a bonitona sensual e oportunista.