Um dos filmes mais polêmicos dos anos de 1970, senão de todos os tempos, Calígula é relançado totalmente “refeito”, a partir de um material não utilizado no corte que foi lançado (por pouco tempo) nos cinemas, e montado à revelia do diretor, Tinto Brass, pelo montador Bob Guccione - mais conhecido como dono da revista pornográfica Penthouse.
Um pouco de contexto é necessário:. Com roteiro do reverenciado escritor estadunidense Gore Vidal, a produção atraiu nomes de peso do cinema e teatro britânicos nos papeis principais: Malcolm McDowell, Helen Mirren, Peter O’Toole e John Gielgud. A direção era de Brass, um diretor italiano conhecido por filmes eróticos, mas sérios e críticos, como o excelente Salon Kitty, sobre um bordel nazista. Foi exatamente esse longa que chamou a atenção de Guccione, que convidou o cineasta para dirigir Calígula. Não contente com o material filmado – erótico, mas sério, não pornográfico – , o produtor tomou o filme para si, montou-o, inserindo não poucas cenas explícitas feitas com atores e atrizes de filmes adultos.
O resto, como se diz, é história. O longa passou nos cinemas, foi censurado – no Brasil mesmo, uma tentativa de exibição na TV aberta nos anos de 1990, acabou vetada pela justiça, embora metade do longa já tivesse ido ao ar. E ficou famoso mais por suas cenas explícitas e as disputas de bastidores. O historiador de arte Thomas Negovan encontrou 96 horas de material filmado e nunca utilizado e, partindo do roteiro de Vidal, tentou remontar o filme mais próximo do imaginado, e o resultado é Calígula: O Corte Final.
A diferença da versão de 1979 é, basicamente, a ausência de sexo explícito, embora a nova montagem de quase 3 horas traga muita coisa nova. O tema central, conforme envisionado por Vidal e Brass, é como o poder corrompe as pessoas. Até aí, nada de muito novo, e, realmente, 3 horas são um exagero para contar isso. Talvez valha mais pelo fetiche do “novo” filme do que o filme em si, que mantém alguma nudez mas não sexo explícito.
Como mostrou Francis Ford Coppola recentemente, em seu Megalópolis, o fim de um império passa, antes, por sua decadência moral, e em Calígula: O Corte Final isso é também evidente. O protagonista (McDowell) é amante de sua irmã, Drusila (Teresa Ann Savoy), mas acaba se casando com Cesônia (Mirren), conhecida como "a mulher mais promíscua de Roma". No mais, é traição atrás de traição nos mais diversos níveis, cristãos sendo decapitados por uma estranha geringonça, estupro, etc.. Ainda assim, a versão de Negovan deixa de lado o que havia de mais transgressor em favor de um cinema mais domado, e, por isso mesmo, quase inócuo. O revisionismo é admirável, mas não faz muito pelo filme.