O veterano cineasta Robert Zemeckis parece querer voltar a um lugar onde foi feliz com Aqui - uma obra inspirada na graphic novel de Richard McGuire, que elege um cenário único para retratar a passagem dos séculos através das aventuras e vicissitudes humanas que o habitam.
Em mais um sinal de nostalgia pelo próprio passado glorioso, Zemeckis reúne novamente o time por trás de um de seus maiores sucessos, Forrest Gump - O Contador de Histórias (1994), que lhe garantiu o Oscar de direção. Ou seja, o roteirista Eric Roth, os atores Tom Hanks e Robin Wright, o compositor Alan Silvestri e o diretor de fotografia Don Burgess. A equipe, por si, é garantia de um excelente time em campo, que dá o seu melhor para concretizar a proposta.
Cinematograficamente falando, porém, produz um certo cansaço esse enquadramento único para retratar um lugar e suas drásticas transformações ao longo dos séculos, desde um poço de lama borbulhante na pré-história, passando pela era dos dinossauros, seguido da morada de uma família indígena, depois substituída por outras versões de uma casa que será, afinal, o lar da família Young, que a habitará no século XX.
Todas essas transformações recorrem à última palavra em tecnologia, incluindo o uso da IA para rejuvenescer e envelhecer os dois personagens principais, Richard (Tom Hanks) e Margaret (Robin Wright) ao longo do tempo. O recurso, já usado em O Irlandês, de Martin Scorsese, lá com bem mais parcimônia, acaba sendo assimilado pelo público como parte daquilo que a história pretende contar. Ou seja, como a existência humana no planeta é afetada igualmente, ao longo do tempo, por nascimentos, mortes, guerras, crises econômicas, doenças, traições, comemorações e decepções.
Esse fio condutor é bem mais escasso para focalizar alguns personagens que passam mais rapidamente pela tela, como é o caso do casal Pauline (Michelle Dockery) e John Harter (Gwilym Lee), ela uma mulher aflita pelos riscos corridos pelo marido pioneiro da aviação; ou o alegre casal dos anos 1940 (David Flynn e Ophelia Lovibond), que vive sua paixão exuberante ao mesmo tempo que se lança à experimentação de novas invenções técnicas. Destes, não se espera maior aprofundamento, o que se dedica a duas gerações da família Young. A primeira, a partir do casal Al (Paul Bettany) e Rose (Kelly Reilly), ele um ex-soldado da II Guerra que forma sua família e a sustenta como agente de seguros. A segunda, seu filho Richard (Tom Hanks), que desiste do sonho de tornar-se artista plástico quando engravida a namoradinha do colégio, Margaret (Robin Wright).
Há toda uma concepção classe média neste modo de vida dos dois casais, com Richard assumindo a contragosto a mesma profissão do pai para manter sua nova família e tendo que morar com seus pais por falta de condições financeiras. A limitação no cenário único desta casa, portanto, torna-se uma metáfora evidente para o enclausuramento dos sonhos e a limitação dos vôos existenciais.
Resta, então, ao filme, explorar as emoções miúdas e cotidianas neste huis clos, o que confere a Aqui uma atmosfera teatral, em que os personagens entram e saem quase que exclusivamente de uma mesma sala, iluminada por uma grande janela, que permite olhar a vida lá fora sem realmente mergulhar nela. Neste sentido, a metáfora até certo ponto funciona, expondo um certo sufocamento, por mais que os afetos também estejam incluídos.
Bem diferente de sua trilogia De Volta para o Futuro (1985, 1989 e 1990), não há como voar desta casa, que permeia tantas lembranças e alguns esquecimentos. E nos vemos de algum modo pressionados a evocar emoções românticas que a limitação intelectual de Forrest Gump talvez materializasse muito mais. Há vida em Aqui, mas ela parece por demais aprisionada nesta proposta técnica, que certamente exigiu um esforço imenso de toda a equipe, superou o desafio de realizá-la mas, de alguma forma, não incendiou a tela com a mesma paixão. Falta especialmente humor nestas relações humanas em sua árdua jornada sobre a Terra.