É raro assistir a um filme alemão tão encharcado de afetividade - e muito prazeroso observar como a política e a história entram por este foco intimista no enredo. Poderia ser assistido como um adeus à pátria, às ideologias, à mãe, à infância, às ilusões. É tudo isso, mas também uma forma vigorosa de afirmar o quanto é possível manipular a verdade - ou como qualquer verdade é necessariamente uma forma de ficção que cada um elabora ao organizar o que vê no mundo. Tudo o que passa pelo filtro das palavras (e das imagens) é apenas uma versão.
Alex (Daniel Brühl), o protagonista desta história, resolveu construir uma realidade sob medida para sua mãe (Katrin Sass). Ardorosa militante do regime da Alemanha Oriental, ela sofreu um enfarte pouco antes da queda do Muro de Berlim, em 1989. Ficou em coma oito meses, tempo suficiente para que os sinais das ideologias fossem trocados. O que fazer, então, quando a Cinderela acorda? Contar a verdade e arriscar um novo enfarte, que tudo indica que será fatal? Ou fabricar um mundo ilusório onde ela se sinta confortável (ela só não, aliás)?
O filho amoroso embarca na segunda opção, o que o obriga a procurar os vestígios de um mundo já extinto - embalagens dos antigos produtos, uniformes, dinheiro antigo. Elaborada a ficção, toda a família vira refém de sua manutenção - Alex, a irmã Ariane (Maria Simon), os colegas da mãe. Um amigo de Alex que sonha ser cineasta forja em vídeo os noticiários de TV, que fazem a mãe crer que são os alemães do lado capitalista que estão emigrando em massa para o lado de cá, quando é justamente o contrário o que ocorre nas ruas.
Há ecos de outros filmes que abordaram uma bolha no tempo - como Underground - Mentiras de Guerra, de Emir Kusturica -, mas este aqui busca outra pulsação, a de que a nossa versão da História é apenas uma busca de inserir nela a nossa própria visão. Alex, no fundo, está contando à mãe a história de fadas pessoal, social e política que ele gostaria de ter vivido - assim como Katrin fabricou para os filhos uma imagem fictícia do pai deles, que emigrou para o ocidente. Uma vez superado o medo da morte - dele mesmo, da mãe, do regime - Alex também pode seguir adiante com a própria vida, onde rachou o verniz da utopia mas há possibilidades muito além do estreito quarto de um apartamento onde se procurou em vão congelar a História.