28/04/2025
Comédia

Igual A Tudo na Vida

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Woody Allen atualiza a paranóia da América e recoloca o romance - em seus próprios termos, é claro. É o mesmo tom agridoce que percorre o caso insolúvel entre o escritor Jerry Falk (Jason Biggs) e candidata a atriz Amanda (Christina Ricci), um dos melhores exemplos de casting de um filme do diretor. Egresso da escatológica trilogia adolescente American Pie, Biggs mostra-se talvez o melhor alter ego de Woody Allen, mesmo tendo em mente o competente John Cusack de Tiros na Broadway (já que o troféu de pior ficou mesmo para o gaguejante Kenneth Branagh de Celebridades). E ninguém melhor do que La Ricci para encarnar esta manipuladora implacável.

Pelo menos nos filmes, Woody é um pessimista completo quanto ao futuro dos relacionamentos. E se coloca pessoalmente no filme em dose dupla, em sua versão atual, um senhor de 68 anos, chamado David Dobel, ao mesmo tempo em que projeta seu ego jovem em Biggs - não por acaso, um escritor cômico lutando pelo sucesso, uma situação que Allen conhece muito bem a partir de sua própria biografia. Esta é, afinal, a grande qualidade do diretor e roteirista, só criar situações a partir do que ele conhece muito bem: a vida de escritor, sua relação com os agentes, os relacionamentos amorosos e a quase inevitável Nova York, banhada numa luz esplendorosa, um feito do diretor de fotografia iraniano Darius Khondji (que tem na bagagem, curiosamente, os sinistros Seven - Os Sete Crimes Capitais e Delicatessen).

Sempre há formas de se ressentir de novidades nos filmes de Allen, especialmente os mais recentes. Nesse caso, é bom pensar de novo ao analisar o personagem vivido por ele, Dobel. Um escritor frustrado, aos 60 vive pendurado num emprego de professor de escola pública, sem que nunca fique muito claro porque nunca teve a coragem de jogar tudo para o alto. Ainda que sua vida não seja modelo algum, Dobel insiste em pregar lições ao jovem Falk, que parece estranhamente fascinado por seu obscuro mentor. Dobel, afinal, mostra-se o maior paranóico de um filme de Allen, que funciona como o paradigma perfeito da América pós-11 de setembro. Um sujeito amedrontado, que enxerga inimigos e anti-semitas a cada passo, vive cercado por rifles e kits de sobrevivência e que qualquer incidente inevitável na vida urbana é capaz de levá-lo a explodir do modo mais imprevisível. De novo, um desmentido para o preconceito habitual de que o diretor se esquiva da política.

Naqueles aspectos em que, felizmente, o diretor continua o mesmo, ele acerta em cheio. A já citada escolha de atores, em que não podem passar sem menção a extraordinária Stockard Channing, no papel de Paula, a mãe de Amanda que se muda para o apartamento que a filha divide com Jerry, invadindo sua intimidade e diminuindo o espaço vital com suas neuroses e um piano na sala - que, dadas as escassas dimensões do imóvel, equivale a um elefante. Outro nome a lembrar é Danny De Vito, na pele de Harvey, o agente incompetente e explorador de Jerry Falk, que tira proveito da inexperiência de seu cliente.

A caracterização dos personagens é outro ponto alto: Jerry, o inseguro que não sabe dizer adeus; Amanda, a manipuladora e poço de contradições; Paula, a que se recusa a aceitar a idade; Dobel, o paranóico; Harvey, o chantagista emocional. Nenhum deles maniqueísta, todos cheios de facetas, todos humanos.

O mundo do Woody mais velho pode ter encolhido, assim como a porção que ele focaliza de sua Nova York. Mas não perdeu um décimo de sua verve. Os diálogos, quase desnecessário dizer, continuam sendo o melhor de tudo. Artilharia pesada contra qualquer tema, sem piedade nem correção política: não escapam o porte de armas por crianças na escola, a masturbação nem mesmo Auschwitz.

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