Bardem incorpora este personagem com uma mistura de bravura, senso de humor ferino e uma inquietante disposição para manter-se firme no seu único objetivo: morrer. É um homem incapaz de mover um único músculo, a não ser no rosto, dependente de parentes para todo e qualquer movimento, para as tarefas mais íntimas e banais. Essa dependência, justamente, é o que vem dilacerando seu ânimo, preso por todo esse tempo em seu quarto, negando-se a adotar uma cadeira de rodas acionada por sua respiração e outras conveniências que amenizariam a brutalidade de seu estado. Para ele, adotar essa vida com aparelhos seria aceitar migalhas de uma liberdade que já conheceu por inteiro.
Por dura e irredutível que pareça esta decisão, ainda mais que Ramón é cercado de amor de parentes e amigos, o que o filme procura não é justificá-lo nem torná-lo simpático e sim compreender sua posição. Neste sentido, a narrativa evolui no sentido de dar solidez ao personagem, entender suas motivações, compartilhar de sua dor e de seus desejos. E não há como negar que sua mente está em excelente forma, lúcida, criativa, irônica, sagaz. Ainda assim, Ramón sente que não pode mais prescindir da ausência de seu corpo.
Ao lado de Bardem, há uma constelação de bons atores, afinados para esclarecer os diferentes lados da história, jogando para o conjunto, o que contribui para a sustentação do resultado final. Nessa categoria, estão a advogada Julia (Belen Ruedas), que se encarrega de formular sua petição pelo direito de morrer; a simplória e apaixonada Rosa (Lola Dueñas); a militante do grupo de apoio, Gené (Clara Segura); sua cunhada, Manuela (Mabel Rivera), que cuida dele diariamente todos estes anos; o pai (Joan Dalmau); o irmão (Celso Bugallo), que se opõe tenazmente à sua disposição ao suicídio; e o jovem sobrinho Javi (Tamar Novas), seu assistente na adaptação de equipamentos do quarto.
Muito eloqüente sobre a temperatura das questões em jogo é a visita do padre jesuíta tetraplégico, que luta por todos os meios para catequisar a vontade de Ramón, corporificando o componente religioso que alimenta as sucessivas negativas dos juízes, nominalmente laicos, contra os pedidos do ex-marinheiro. Ainda que não se adote o ponto de vista de Ramón, não há como deixar de simpatizar com seu indomável instinto de liberdade, vislumbrando no padre os resquícios dos antigos inquisidores.