Existem filmes que valem mais pelos seus atores do que pelo enredo ou seus personagens. A comédia O Diabo Veste Prada certamente passará a ser um dos mais notórios exemplos dessa categoria. O filme em si é fraco, previsível e reverente demais, quando podia dar um enfoque mais cínico a um mundo que pouca gente leva a sério. Já Meryl Streep no papel do ‘personagem título’ é simplesmente brilhante. Aqui, ela tem a chance de mostrar sua veia cômica poucas vezes utilizada e também de mostrar o quanto é capaz de fugir das armações bobocas que um roteiro insiste em construir.
Supostamente, a protagonista do filme é Anne Hathaway, no papel de Andy, uma recém-formada jornalista do interior, que consegue um emprego com na famosa revista de moda “Runway”, para trabalhar como assistente da editora megera Miranda Priestly (Meryl). Que a menina não sabe nada de moda ou que o diabo é sua nova chefe são apenas detalhes que logo serão revistos.
O filme é Meryl Streep. As cenas das quais ela não participa são tolas e sem graça. Parece que está faltando algo que realmente justifique a existência daquele momento. Pouco interessa como é a vida de Andy fora do trabalho, se ela tem amigos leais ou um namorado insatisfeito. O que todo mundo quer é ver Miranda fazer o que faz melhor: maltratar seus subalternos, e isso ela sabe fazer com charme e requinte. A voz da personagem nunca se altera, continua no mesmo tom em seus momentos mais demoníacos. Sua postura é delicada, mas ao mesmo tempo austera. Suas maldades, em sua cabeça, são apenas funções que seus imediatos não são capazes de realizar e cabe a ela ficar cobrando.
O roteiro é baseado no romance homônimo e o que o diretor David Frankel (Sex and the city) e a roteirista Aline Brosh McKenna fazem é desviar o foco da história – ao menos na maior parte do tempo. Aqui, mais do que seguir a redescoberta de Andy, como ser humano e jornalista, o centro tenta ser Miranda. A personagem não é apenas um monstro sem coração. Embora o roteiro não tente justificar as suas ações, ele busca o lado humano da megera.
Ao mesmo tempo, O Diabo Veste Prada traz um olhar extremamente reverente em relação ao mundo da moda. Diferente do cinismo de Robert Altman e seu Prêt-à-Porter, que esculhambava cinicamente com os desfiles, mostrando um universo fútil e repleto de egos. Aqui essa mesma esfera é justificada como um modo de vida que as pessoas levam a sério. E o filme também.
Anne, no papel de Andy, praticamente some ao lado de Meryl, Stanley Tucci e mesmo de Emily Blunt (de Meu Amor de Verão), que no papel da assistente mais importante de Miranda é a segunda melhor qualidade do filme. Cabem a ela algumas das melhores frases e trejeitos ao longo da história. Já a protagonista é mais passiva e desprovida de nuances, o que a torna mero acessório para nos levar até o ‘diabo’, que é, de longe, o personagem mais fascinante. A transformação de Andy de patinho feio a uma mulher sofisticada faz um paralelo com a sua desumanização, muitas vezes involuntária. A personagem parece não ter domínio de sua vida e acaba sendo apenas uma marionete nas mãos das outras, sejam Miranda, colegas de trabalho ou mesmo o namorado.
Quando a jornalista Lauren Weisberger publicou seu roman à clef O Diabo Veste Prada, em 2002, o mundo do jornalismo norte-americano especializado em moda veio abaixo. A chave para compreender o livro é a poderosa Anna Wintour, editora da Vogue e ex-chefe da escritora. Best-seller instantâneo, o livro é adorado por uma legião e esnobado por outra, chegando a figurar em diversas listas de piores publicações do ano. O que não é nada bom para uma jornalista cujo sonho era trabalhar na conceituada New Yorker, e acabou servindo de capacho de uma editora de revista de moda.
Já O Diabo Veste Prada, o filme, mostra, mais uma vez, porque Meryl Streep é a melhor no que faz – embora para conferir como ela também é ótima em comédia baste ver Adaptação, A Morte lhe cai bem e Ela é o Diabo, no qual ela era a vítima de uma mulher infernal. Com um diabo desses não é nada difícil se tornar um Fausto, vender a alma a ela e ainda dar troco.