Trata-se da primeira parceria de Kar-wai com o diretor de fotografia australiano Christopher Doyle. Apresenta-se aqui, a cuidadosa composição de cada quadro e o jogo de luz e sombra que marcariam toda a obra do cineasta. Até agora, os dois já fizeram juntos oito filmes.
O mesmo ocorre na temática que Kar-wai tornou sua marca registrada. A história investiga a mesma pulsão de perseguir as paixões que, afinal, não se realizam. O sentido da perda é a essência deste filme que o próprio cineasta uma vez chamou de "reinvenção de um mundo desaparecido".
A ambientação, que tantas vezes se repetirá nos próximos filmes, é igualmente nos anos 60. Lai Chun (Maggie Cheung) é a atendente da lanchonete de um estádio de futebol. No cenário desolado, nas horas mortas, aparece Yuddy (Leslie Cheung), jovem bonito que faz de tudo para conquistá-la. Quando ela se apaixona e quer casar, ele a abandona abruptamente, iniciando uma relação complicada com uma prostituta (Carina Lau).
A abandonada Lai a princípio não supera a obsessão amorosa. Não consegue deixar de passar todas as noites perto do apartamento do ex-amante. Nessas noites de solidão, ganha a amizade cúmplice de um vigia da rua (Andy Lau). As solidárias conversas entre os dois, banhadas por uma meia-luz hesitante, no meio da bruma, consolidam o relacionamento afinal mais terno de todos. No universo de Wong Kar-wai, a paixão é sempre corrosiva.
Além de todas as namoradas, Yuddy vive um relacionamento tingido pelo amor e ódio também com a mãe adotiva (Rebecca Lan). A mulher manipula sua revolta, negando-se, por exemplo, a revelar a identidade de sua mãe verdadeira, por mais que ele insista. Ele se vinga expondo o ridículo do comportamento dela, uma velha senhora que vive sendo explorada em relacionamentos com rapazes da idade dele.
Yuddy é, afinal, um personagem autodestrutivo em toda linha, o que o lança numa rota sem saída. Um destino trágico que foi também o do ator na vida real, que se suicidou aos 47 anos, em 2003.
Lançado tardiamente também em outros países, como os EUA, Dias Selvagens revela-se uma boa amostra de um diretor em construção. A boa notícia é que a sua promessa se cumpriu.