21/01/2025
Drama

Os Inquilinos - Os incomodados que se mudem

A vida de uma família da periferia é perturbada pela chegada de novos vizinhos. Logo se percebe que, além de barulhentos, estão envolvidos com o crime. O chefe da família, um embalador de frutas, é pressionado pela mulher e o cunhado a reagir. Mas não sabe como.

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Ao longo de quase 40 anos de carreira, que se iniciou com o curta Omnibus (1972), o diretor paranaense, radicado em São Paulo, Sérgio Bianchi ficou conhecido por filmes tão explosivos quanto sua notória personalidade. Por isso, Os inquilinos – Os incomodados que se mudem é uma grata surpresa na filmografia do cineasta – que também inclui Quanto vale ou é por quilo? (2005) e Cronicamente Inviável (2000).
 
No centro da trama está Valter (Marat Descartes, de Lula – O filho do Brasil), pai de família, morador da periferia que trabalha durante um dia num mercado de frutas e estuda à noite. Depois de apresentar essa rotina pacata desse cidadão comum, o filme introduz um novo elemento: um trio de vizinhos arruaceiros que se mudam para a casa ao lado do protagonista.
 
O grupo mora no mesmo quintal de Dimas (Umberto Magnani, de Quanto vale ou é por quilo?), um homem de idade e poucas amizades que encontra em Valter o único amigo e confidente para reclamar do grupo de novos vizinhos - que fazem festas regadas a bebidas, com música em alto volume e muitas mulheres até a madrugada.
 
Quando chega em casa à noite, é Iara (Ana Carbatti, de Quanto vale ou é por quilo?), sua mulher, quem atualiza o marido com as novidades dos vizinhos, que dormem boa parte do dia depois das noitadas. Aos poucos, uma paranoia toma conta da cabeça e da vida da família de Valter – quem seriam os três rapazes? De onde vêm? São criminosos ? Que risco representam?
 
O roteiro de “Os inquilinos” foi escrito por Bianchi e Beatriz Bracher (Cronicamente inviável) a partir de um conto de Vagner Geovani Ferrer, aluno de um curso do projeto EJA (Educação para jovens e adultos). Este roteiro – assim como a atriz coadjuvante Cássia Kiss – foram premiados no Festival do Rio do ano passado. A narrativa, bastante contida sem panfletagem ou verborragia, se constroi em cima da tensão de uma catástrofe que possa acontecer a qualquer momento – seja ela um desentendimento entre Valter e os vizinhos, uma morte, ou mesmo, nada.
 
A vida de Valter na escola noturna abre espaço para questionamentos sócio-culturais dos personagens – especialmente nas aulas ministradas pela professora interpretada por Cássia Kiss (A Festa de Menina Morta). Junto com seus alunos, ela discute a voz da periferia por meio de textos, como poesias.
 
A contenção da trama ganha respaldo numa interpretação inspirada de Descartes, conhecido ator de teatro paulistano que estreia como protagonista no cinema. Valter é um personagem passivo, que nunca age, e raramente reage. Ainda assim, não temos pena, nem raiva dele porque o ator o transforma num ser humano qualquer, levando sua vida pacata, ameaçada por elementos estranhos ao seu mundo.
 
O que Os inquilinos parece tentar dizer é que o poder institucionalizado é incapaz de responder às nossas necessidades. Presente em toda a obra de Bianchi (que acaba de ser lançada em DVD), esta idéia ganha força aqui, pela forma como é abordada: cheia de sutilezas e tensão.
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