O diretor e roteirista Leon Hirszman encontrou na peça de teatro Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri, um material que ia ao encontro das inquietações temáticas de sua obra: os caminhos do capital. Se em São Bernardo ele investiga a ascensão de um homem pobre a grande capitalista, aqui sua câmera se volta exclusivamente à classe trabalhadora e a um conflito de gerações sobre visão política e o papel de cada um numa luta pela revolução, simbolizada aqui pela greve numa pequena empresa. Entre os prêmios que o longa levou, está o Especial do Júri no Festival de Veneza.
Guarnieri interpreta o patriarca da família, o sindicalista Otávio, que entra em conflito com o filho, Tião (Carlos Alberto Ricceli), que resolve furar uma greve. Sua namorada Maria (Bete Mendes) está grávida e o rapaz teme perder o emprego no momento que mais necessita de um salário. A construção da narrativa gira em torno desse impasse: como se manter fiel aos seus ideias diante de uma dura realidade? O roteiro, assinado pelo próprio diretor, é sagaz ao dar voz ao pai e ao filho em igual medida, sem demonizar nenhum dos dois por suas escolhas. Representam, cada um ao seu modo, uma velha e uma nova esquerda, esta, por sua vez, em busca de suas maneiras próprias de luta.
Otávio é um veterano na luta sindical, que se coloca na linha de frente de uma greve. O filme explora as aflições e agruras dos operários na fábrica, mostrando a exploração e o constante medo do desemprego. O longa vinha logo depois das chamadas Greves do ABC, no final dos anos de 1970 e começo da década seguinte, e registra uma visão bastante realista do assunto.
A dimensão do conflito aqui se dá entre o pessoal e o político, mas também é histórico. A geração de Tião passou por embates diferentes daquela de seu pai, e ele e Maria representam um novo momento, marcado pelos sinais da abertura política do fim da ditadura. O filme desloca a peça original de 1958 para um momento diferente da história do país, e tudo ainda fazia sentido – talvez faça sentido até hoje, dado o atraso estrutural do país.
À margem do conflito entre pai e filho, está dona Romana (Fernanda Montenegro), mãe-coragem, cujo grande momento na tela acontece quando, ao lado do marido, ela escolhe o feijão. A cena é potente ao encapsular a impossibilidade do diálogo. Os dois silenciam, e o único ruído em cena é o feijão caindo numa bacia de alumínio. Ele a ajuda, descartando os feijões podres. Seria a comida um símbolo das lutas? Aquelas que devem ser escolhidas e aquelas que devem ser descartadas ?
Hirszman coloca em cena temas caros ao cinema brasileiro e já bastante explorados, mas o diretor o faz com meticulosidade e refinamento. A fotografia de Lauro Escorel – parceiro do diretor também em São Bernardo – se vale da claustrofobia da pequena casa da família operária, sendo os tons esmaecidos e tristes, como a vida desses personagens sem perspectivas. O texto original de Eles não usam black tie, com mais de seu meio século, é, infelizmente, muito atual – mudam-se os termos, e “precarização do trabalho” é o que se usa hoje em dia, mas, em sua essência, a exploração e a dificuldade de organização e sufocamento da classe trabalhadora ainda são, estruturalmente, as mesmas.