O cineasta Jeferson De tomou o pulso da periferia paulistana e estreou em longas com Bróder, um drama sólido em torno da irmandade espiritual e sincera de três jovens nascidos no Capão Redondo.
O imenso bairro do extremo sul da capital, quase uma cidade dentro da cidade, ganha contornos, detalhes, humanidade. Tudo isso pulsa na tela com muita tensão, por conta de um roteiro afinado – de Jeferson, Newton Cannito e colaboração do mais conhecido escritor da região, Ferréz, nos diálogos.
Ancorado nessa fonte de verdade, o filme se estrutura com uma montagem tensa, rente aos personagens, de Quito Ribeiro, que sinaliza o quanto a tragédia flerta com a alegria quase sem fronteira, quase sem parar. É dessa matéria viva que Bróder é feito.
A passagem por alguns festivais em 2010, como Berlim, com premiação em Paulínia (4 prêmios) e Gramado (3, incluindo melhor filme, diretor e ator), amadureceu o filme, que está sendo lançado numa versão com diversas mudanças na montagem e na trilha sonora – todas para melhor.
Contando a vida de Macu (Caio Blat), entrando no crime, Jaiminho (Jonathan Haagensen), que estourou como jogador de futebol na Espanha, e Pibe (Silvio Guindane), o cara honesto que vive apertado, a história se dilata. Jaiminho vem visitar o amigo Macu, aniversariante, aproveitando a feijoada preparada por sua mãe, Sonia (Cássia Kiss). Outro compromisso na agenda de Jaiminho é resolver uma história pendente, a gravidez da irmã de Macu, Elaine (Cíntia Rosa).
Se se aproxima de Cidade de Deus, comparação inevitável pela referência à violência na periferia, Bróder cria feição própria ao insistir na vinculação ao afeto. É o sentimento que une os três amigos em qualquer situação. E não faltam motivos para testar seus limites ao longo desse dia que o filme desdobra como seu tempo dramático, circulando por eventos como o planejamento de um sequestro, reencontros com paixões do passado e as lembranças de tudo que tornou cada um dos três protagonistas o que é.
Essa “visão de dentro” da periferia conduz o naturalismo que a história procura, sem estigmatizar seus habitantes. Se há uma tarefa de que o diretor dá conta com eficiência é desenhar seus personagens com a força de uma autenticidade que os irmana a qualquer outra pessoa, moradora do Capão ou de qualquer outro lugar.
Em nome do realismo, não se procura embelezar o cenário, que se apresenta despojado, precário como realmente é, assim como as relações com outros personagens fundamentais desse cotidiano, como a polícia e os chefões do crime que moram fora da favela mas a comandam e manipulam, sendo parte indissociável de seus desvios.
Da mesma forma, emerge dessa mistura a força da família – como a formada por Sonia e Francisco (Ailton Graça), o casal mestiço, brasileiro típico, lutador e sonhador; o casal evangélico (Zezé Motta e João Acaiabe), pais de Napão (o rapper Du Bronks), outro que o crime perdeu. Se há uma instituição que resiste a tudo, à criminalidade inclusive, e serve como esteio de toda e qualquer reconstrução, é essa família, apesar de abalada pelos percalços de seu contexto.
Idealizador do Dogma Feijoada nos anos 90, Jeferson De formula uma discussão sobre a negritude em seu cinema, que já marcava seus curtas, Distraída para a Morte (2001), Carolina (2003) e Narciso Rap (2004). Em Bróder, a questão ganha a substância e a especificidade do Brasil, onde a mestiçagem é mais extensa e a teorização mais fluida do que nos EUA. Só isso já transforma o filme num programa obrigatório. E que tem a força da vida, sem nenhum vício discursivo ou metido a didático.