Entre os Khraô, nação indígena que vive no cerrado de Tocantins, existe a figura de um sacerdote do riso, o hotxuá. Nada a ver com um bobo da corte medieval, porém. Não só ele tem a tarefa de procurar fazer todos rirem, relaxando as tensões surgidas em conflitos do cotidiano, como tem uma proeminência sobre a tribo, que o leva a ter voz ativa em decisões como o local das novas roças que garantem a alimentação da comunidade.
O documentário da atriz Letícia Sabatella e do cenógrafo Gringo Cardia acompanha o cotidiano desse povo particularmente pacato, ressaltando a mitologia que conduz seu pensamento. Para os Krahô, uma estrela desceu do céu, virou moça e ensinou seus antepassados a plantar os legumes – que são levados particularmente a sério em sua dieta, a ponto de se executar uma curiosa dança dos legumes para propiciar sua fartura.
Não que essa mitologia impeça os Khraô de encarar uma dura realidade que é ter sua reserva cercada por todos os lados, ou por barragens, ou por enormes fazendas de soja, ambas com alto impacto na natureza que é tão essencial para os índios. Como o filme, respeitosa e delicadamente, deixa claro, em sua observação dos Khraô e suas conversas com eles, essa cultura ancestral se articula em sua vida, como uma espécie de literatura prática que mantém ativa a incorporação de novas informações.
O irreverente hotxuá é peça importante na luta por manter sua integridade como índios. Sua figura permite também enxergar a evolução de um homem ancestral, da espécie humana como um todo, e sua descoberta da arte e da representação da vida, um embrião do teatro e da comédia.
Um momento curioso criado no filme é a visita de um palhaço – que interage com as crianças e o próprio hotxuá, confrontando dois tipos de jogo que, na verdade, têm muito em comum.
