21/01/2025
Documentário

Uma longa viagem [2012]

Durante a década de 1970, Heitor, irmão da cineasta Lucia Murat, viajou pelo mundo e mandou diversas cartas à família. Por meio desses relatos, a diretora traça não só a sua história de presa política naquela época, como também um painel sobre as transformações daquela década.

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Uma combinação entre retrato de uma época, nostalgia e investigação familiar, o premiado Uma longa viagem, de Lúcia Murat, é um filme altamente pessoal da diretora, mas que, ao mesmo tempo, tem capacidade de dialogar com diversos públicos, especialmente por conta de seu conteúdo emocional.
 
Em Que bom te ver viva (1989), Lúcia colocava como protagonista uma ex-presa política – vivida por Irene Ravache – cujas experiências baseavam-se nas da própria diretora e de outras pessoas que ela conheceu, combinando o documental e a ficção. Em Uma longa viagem, Lúcia radicaliza essa experiência, intercalando o documental e a representação. Não se trata de ficção, mas sim de uma recriação parcial do passado, dialogando com o personagem real, o irmão caçula da diretora, Heitor.
 
Na década de 1970, o jovem Heitor caiu no mundo, viajando pela Inglaterra, Estados Unidos, Índia, Austrália, entre outros lugares. Nesse mesma época, Lucia foi presa e torturada. O caçula escrevia cartas e cartas para a mãe e o irmão mais velho, o médico Miguel, contando suas experiências e mandando presentes. Essa correspondência serve como base para o longa que, aos poucos, constrói o retrato daqueles três irmãos e do período conturbado que viveram.
 
Era também uma época de grandes transformações, especialmente na Europa, onde o rapaz estava. Caio Blat vive o Heitor jovem, enquanto redige suas cartas. Lúcia encontra uma saída bastante cinematográfica para criar essas reconstituições – usando projeções sobre uma tela como fundo para as cenas do ator. O efeito é bonito e, ao mesmo tempo, quase alucinógeno, o que vem bem ao encontro de muitas das experiências de Heitor com drogas.
O verdadeiro Heitor, por sua vez, aparece em depoimentos gravados especialmente para o filme, nos quais relembra suas experiências e as analisa sobre um novo foco, mais de três décadas depois. Ele é uma figura carismática, engraçada e com muitas histórias para contar. A trilha sonora que recupera músicas do passado (Janis Joplin, Jefferson Airplane, Caetano Veloso) contribui na criação do clima que transita entre a nostalgia e um olhar curioso do presente que indaga o passado.
 
Premiado em Paulínia, Gramado e na Espanha, Uma longa viagem estreia num momento bastante oportuno, para contribuir com a discussão da abertura de arquivos da ditadura. Ao lado de “Diário de uma busca”, de Flávia Castro, lançado em 2011, o longa de Lúcia tem muito a dizer sobre uma época e personagens que a história oficial, muitas vezes, tentou varrer para debaixo do tapete.
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