A cineasta Ana Carolina (Sonho de Valsa, Das Tripas Coração) volta a filmar depois de um hiato de mais de uma década – seu último trabalho foi Gregório de Mattos, de 2003. E em A Primeira Missa ou Tristes Tropeços, Enganos e Urucum, ela faz uma crítica à forma como o cinema é produzido no Brasil atualmente. Usando de metalinguagem, a diretora, que também assina o roteiro, retrata os bastidores de uma conturbada produção histórica sobre a primeira missa no Brasil, em 1500.
Contando com uma floresta tropical cenográfica, índios, atores caracterizados como índios, outros como colonizadores portugueses e um trio de burocratas, o filme, às vezes, corre o risco de ser uma piada interna, que apenas “a gente de cinema” poderá entender. Ainda assim, há algo para tirar como proveito no longa.
O ator Dagoberto Feliz interpreta um diretor que filma o filme dentro do filme de Ana Carolina e vive numa crise constante – mais financeira e ideológica do que criativa. Quando se prepara para filmar a cena mais importante, chegam ao set burocratas (Rosa Grobman, Fabio Tomasini e Abrahão Farc) que questionam suas escolhas e ameaçam interromper a produção se ele não conseguir um investidor. Mais tarde, desembarca (numa canoa e rio cenográficos) o produtor (Oscar Magrini), desesperado para encontrar o investidor. Além de ter de lidar com toda essa gente, o cineasta ainda precisa aturar a continuísta (Xuxa Lopes, excelente), a estrela com quem tem um caso (Alessandra Maestrini, exagerada e estridente), um ator (Wagner Molina, eficiente) sem talento que só quer falar o texto que decorou, e figurantes (Tuna Dwek e Andrea Richa, divertidas).
No fundo, Ana Carolina aborda a produção cultural transformada em mercadoria, num ambiente onde quem dita as regras são os investidores, e não a equipe artística. Até aí nenhuma novidade. Mas a graça de A Primeira Missa... está exatamente na ingenuidade do filme, na crença de que a paixão é o que move o cinema.