Certa vez, um dos internos da Colônia Juliano Moreira, famoso centro psiquiátrico em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, disse que “os doentes mentais são como beija-flores: nunca pousam, ficam a dois metros do chão”. Aquele não era um paciente qualquer. Era Arthur Bispo do Rosário, um sergipano que, após ter alucinações de caráter místico, foi internado como esquizofrênico na instituição, em 1938, onde permaneceu até a sua morte, em 1989, produzindo sua arte singular, que teve o seu reconhecimento ao ser exposta na Bienal de Veneza.
Depois de exibida e premiada em alguns festivais, a cinebiografia do artista, O Senhor do Labirinto (2014), de Geraldo Motta e codirigido por Gisella de Mello, chega ao circuito comercial. Baseado no livro homônimo de Luciana Hidalgo, pelo qual a escritora – que assina o roteiro junto com Motta – recebeu o prêmio Jabuti em 1997, o longa foi eleito o melhor filme pelo júri popular no Festival do Rio de 2010. Desde então, também integrou a seleção da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo do mesmo ano e foi exibido em uma mostra especial no Instituto Moreira Salles carioca, em 2012.
Uma pena pela importância de seu retratado, o qual o ator Flávio Bauraqui encarna com tanta vivacidade. Ele imprime as nuances precisas para o ex-marinheiro que dizia simplesmente ter aparecido no mundo, já que o próprio se denominava Jesus Cristo. Por isso, fazia seus bordados, estandartes, barcos e outros objetos, usando, em sua maioria, sucata e gravando o nome das pessoas por quem ele deveria interceder no momento do Juízo Final; geralmente, aquelas que “viam” a sua aura.
O filme traz dois personagens que acompanham a longa trajetória do protagonista na colônia. Um deles, interpretado cuidadosamente por Irandhir Santos, é Wanderley, guarda da instituição que elege o ex-pugilista como “xerife” do local, concedendo-lhe regalias que deram ao Bispo a chance de fazer suas peças. Anos depois, aparece uma estagiária de Psicologia, Rosângela (Maria Flor), que se torna uma espécie de amor platônico dele.
Neste ponto, cabe dizer que falta naturalidade tanto a Maria Flor como aos outros coadjuvantes, que parecem não estar à vontade ou não terem sido preparados a tempo para seus papéis, diversamente do que acontece com Bauraqui e Irandhir. A dupla é o grande destaque da produção, mesmo que as próteses utilizadas na maquiagem de envelhecimento dos dois sejam tão grosseiras. Um considerável ponto negativo em uma direção de arte marcada pelo impecável trabalho das bordadeiras de cidades sergipanas – a produção também foi rodada no estado natal do artista –, como Divina Pastora e Laranjeiras, ao recriar as peças do Bispo do Rosário.
Entretanto, a principal queixa a se fazer da obra é sobre seu caráter convencional demais. Diretor do documentário O Risco: Lúcio Costa e a Utopia Moderna (2002) e das minisséries Santo Por Acaso (SBT, 2007) e Haru e Natsu, As Cartas Que Não Chegaram (NHK, 2005/Bandeirantes, 2008), Geraldo Motta aqui está à frente de seu primeiro longa de ficção. E, embora tenha criado o personagem do Wanderley para conduzir melhor a trama, seu roteiro não foge de uma narrativa extremamente factual.
A formalidade é mais sentida justamente por se tratar de uma cinebiografia de alguém que viveu no tênue limite da realidade e da fantasia, ainda mais sendo ele um artista tão particular. O cineasta flerta com a alucinação do protagonista somente no início e ao final, mas timidamente e sem efetividade. Talvez, para fazer jus à louca genialidade de Arthur Bispo do Rosário, fosse necessário que o filme estivesse a dois metros do chão.