21/01/2025

Cemitério de esplendor

Escavando as imediações de uma escola, um grupo de soldados cai vítima de uma estranha narcolepsia. O local é transformado num hospital. Algumas voluntárias vêm cuidar dos soldados, como a jovem médium Jen, que consegue comunicar-se com eles. Outra é Jenjira, senhora que se ocupa de um jovem soldado, Itt, cuja família mora longe.

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Cineasta de um país de cinematografia escassa, a Tailândia, Apichatpong Weerasethakul tem no currículo feitos que muitos colegas ainda não alcançaram – como a Palma de Ouro em Cannes, obtida em 2010, quando ele tinha apenas 40 anos, com o misterioso Tio Boonmee que Pode Recordar suas Vidas Passadas.
 
Cinco anos depois, ele retornou a Cannes, na seção Un Certain Regard, com um novo trabalho, Cemitério de Esplendor. O filme representa, igualmente, um retorno às raízes, já que o diretor, que sempre escreve os próprios roteiros, filmou em sua terra natal, Khon Kaen, no nordeste tailandês.
 
Como de hábito, Weerasethakul apaga fronteiras entre o mundo material e o espiritual, entre o profano e o sagrado e mesmo entre épocas distintas. Seu cenário é uma antiga escola, transformada em hospital, em que a maioria dos pacientes são jovens soldados, afetados por uma estranha forma de narcolepsia. Aparentemente, o fenômeno tem alguma relação com escavações de que participaram e que prosseguem no terreno ao lado.
 
Além de suas famílias, os soldados são assistidos por voluntárias, que os acompanham em seus irregulares períodos de vigília. Uma delas é a jovem Keng (Jarinpattra Ruengram), que intermedeia os contatos entre os familiares e os soldados em transe. Outra é a senhora Jenjira (Jenjira Pongpas Widner), que escolhe cuidar de um soldado sem família, Itt (Banlop Lomnoi).
 
Sutilmente, o diretor instaura um mundo impregnado tanto de materialidade, com pessoas que dormem, acordam, comem e passeiam, quanto de realismo fantástico – como na sequência em que Keng, incorporando Itt em transe, conduz Jenjira pelo terreno, descrevendo o que ele estaria vendo, ou seja, batalhas de reis de séculos atrás, cujo antigo cemitério foi perturbado pelas escavações.
 
Weerasethakul cria uma naturalidade nessa sobreposição de tempos e mundos de forma toda peculiar e mesmo bem-humorada – como em outra cena, em que Jenjira, após fazer oferendas num santuário, é visitada em agradecimento pelas deusas do Laos que homenageou, encarnadas em duas belas jovens (Sjittraporn Wingsrikeaw e Bhattarotorn Skenraigul).
 
Essa mistura de elementos e a inserção de imagens enigmáticas – como de uma espécie de balão alongado, ou uma forma de vida misteriosa, deslizando sobre um céu azul – cria estranhamento, é verdade. Mas também desperta curiosidade, graças a essa naturalidade que o diretor injeta em cada quadro, diálogo e situação. Ninguém está tão à vontade no mundo dos sonhos quanto Apichatpong Weerasethakul, nem mesmo David Lynch.
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