Estreia em longa de ficção do premiado documentarista e curta-metragista Aly Muritiba, o drama Para Minha Amada Morta revela uma potência narrativa impecável.
Impressiona o controle preciso da tensão ao longo do filme, que acompanha os dilemas do viúvo Fernando (Fernando Alves Pinto) após a morte súbita da mulher. A história, em diversas camadas, acomoda discussões sobre paixão, obsessão, ciúme e vingança de uma maneira admirável.
Nunca antes Fernando Alves Pinto fez um papel tão bom, com uma dor e raiva introjetadas prestes a transbordar a cada minuto, carregando o espectador nessa espiral de emoções que o sacodem.
No roteiro também assinado por Muritiba, o ponto de vista é masculino. Assiste-se a um réquiem nas cenas iniciais, que mostram o protagonista acariciando os vestidos e sapatos da mulher, aparentemente incapaz de corresponder à carência do filho pequeno (Vinicius Sabbag). Fernando oscila entre obcecado e anestesiado, realizando roboticamente seu trabalho diário, de fotógrafo policial, num ambiente árido e brutal, também bastante sugestivo dentro do contexto do filme.
A descoberta de uma caixa de vídeos antigos da mulher leva o marido ao encontro de histórias desconhecidas, tanto da infância dela, que aumentam a idealização da amada morta, como outras, que revelam paixões desconhecidas.
Esse novo capítulo incorpora um outro homem, Salvador (Lourinelson Vladmir), um mecânico evangélico em cujo núcleo familiar Fernando entra, primeiro a partir da igreja, depois alugando a casa dos fundos. Assim, o intruso se introduz na intimidade da mulher de Salvador (Mayana Neiva) e da filha adolescente (Giuly Biancato), criando a cada momento a expectativa de que algo violento está para acontecer.
O coração do espectador é levado a compartilhar desta tensão, imaginando quase tudo que é possível brotar destas situações. Mas nunca se perde de vista uma admirável contenção – um passo a mais, e a história derraparia num novelão. Felizmente, isso não ocorre. Muritiba é, declaradamente, um admirador do rigor e também do controle do cineasta austríaco Michael Haneke.
Mais de uma vez, somos levados a lembrar de filmes como Caché, por exemplo. Mas há planos que recordam também uma saga de vingança de outra ordem, presente em O Filho, dos irmãos Dardenne. Como esses diretores, Muritiba esquiva-se das muletas musicais para evocar sentimentos em seu espectador a partir da dramaturgia do roteiro, criando cenas visualmente muito impactantes e bem-resolvidas - como os diálogos dos dois homens entre ferramentas no quintal, uma outra num telhado e outra ainda numa cozinha. Nesses momentos, o filme é quase um western, ao menos em termos de clima.
Se falta, propositalmente, o ponto de vista da morta – que o espectador também é solicitado a imaginar -, a presença de Mayana Neiva e Giuly Biancato (uma jovem atriz muito promissora) assinalam um pequeno contraponto feminino neste mundo muito masculino.