Suzana Amaral era uma diretora de cinema estreante em longa, com pouco mais de 50 anos, quando fez A Hora da Estrela. Marcélia Cartaxo, por sua vez, tinha pouco mais de 20 anos quando protagonizou o filme – e foi premiada como melhor atriz no Festival de Berlim e no de Brasília, ambos em 1985. É na conjunção do trabalho delas que nasce essa complexa e delicada adaptação de Clarice Lispector.
A diretora sagazmente elimina toda a parte metanarrativa, que funciona muito bem no romance original, mas que soaria falsa e forçada no cinema. A estratégia, além de tornar a narrativa mais direta, dá a Macabéa voz e protagonismo absolutos, deixando de lado o ponto de vista de um escritor carioca, que, no livro, a cria. Assim, Cartaxo brilha em absoluto como a imigrante nordestina na selva de São Paulo (originalmente a história se situa no Rio, mas a mudança faz mais sentido).
Trabalhando como datilógrafa, ela é uma negação – as folhas estão sempre sujas de comida e repletas de erros – mas o chefe (Umberto Magnani) tem pena e tenta salvar seu emprego sempre que o patrão a quer demitir. Depois da morte da tia que a criou, ela se muda para uma pensão, onde conhece outras jovens, mas todas a acham um tanto, digamos, exótica. Entre outros hábitos, Macabéa gosta de ouvir a rádio-relógio, que entre uns minutos e outros traz pérolas de sabedoria – seu único acesso a algum tipo de informação.
Solitária, a vida da protagonista muda quando ela conhece Olímpico de Jesus (José Dumont), metalúrgico nordestino que começa a sair com ela. A relação entre os dois, como tudo na vida da moça, é peculiar, até os diálogos entre eles o são. “Eu te pago um café”, diz ele. “Pode ser com leite?”, ela pergunta. “Pode, mas se for mais caro você paga a diferença.” Ou então, o melhor do filme: quando se escondem da chuva numa banca de jornal e ela vê um pacote de parafusos a venda: “Eu gosto de parafusos”.
Macabéa é uma personagem, em certa medida, cômica em sua ingenuidade e falta de destreza para o mundo, mas o filme nunca ri dela – às vezes, ri com ela, mas nunca dela. O olhar de Amaral, como o de Lispector, é carinhoso para com essa jovem cuja vida talvez nunca encontre um rumo. Cartaxo tem aqui uma das maiores interpretações femininas da história do cinema brasileiro – rivalizando com outras grandes, como Fernanda Montenegro, em A Falecida, Marília Pera em Pixote, e Darlene Glória em Toda nudez será castigada. É uma personagem que vive tudo dentro de si mesma. Ela fala pouco e raramente se dá o direito de sorrir. Macabéa parece aceitar o tempo todo o destino que o mundo lhe impõe. Mas teria como fazer diferente num mundo onde não parece existir o mínimo de solidariedade?