08/02/2025
Drama

O terceiro assassinato

Shigemori é um advogado talentoso que acaba convocado por seu sócio a defender um homem que confessou ter matado seu chefe. Um novo julgamento irá decidir se ele cumpre prisão perpétua ou é condenado à pena de morte. Porém, uma investigação joga nova luz sobre os fatos.

post-ex_7
Há cerca de uma década, o cineasta japonês Hirokazu Kore-eda investiga as dinâmicas familiares no Japão contemporâneo. Seus filmes procuram entender como as gerações contemporâneas lidam com o peso da cultura tradicional do país. Em O terceiro assassinato, porém, o diretor muda o foco, sem abrir mão completamente do tema. Em sua essência, este é um longa de tribunal, mas as relações entre pais, filhos e amigos ainda são um motivo forte na narrativa.
 
Exibido em competição no Festival de Veneza 2017, o filme tem como protagonista o advogado Shigemori (Masaharu Fukuyama, um famoso astro pop em seu país, que também esteve em Pais e Filhos, do diretor), filho de um juiz aposentado, cuja carreira está no ápice, ou perto disso, e se envolve num caso repleto de mistérios. Mistério é algo sempre bem-vindo em filme de tribunal, mas aqui talvez existam segredos e reviravoltas demais – e nem todos são muito bem resolvidos.
 
O filme começa com um crime, que, ao longo da trama, será mostrado de maneiras diferentes. Shigemori é levado, por seu sócio, a defender um réu de um caso já em andamento. Trata-se de Misumi (Koji Yakusho), um operário de meia-idade que confessou seu crime, mas já mudou seu depoimento algumas vezes. O personagem já esteve preso por três décadas por ter cometido homicídio duplo, mas agora assumiu a morte de seu antigo chefe, dono da pequena fábrica onde trabalhou.
 
Misumi é culpado, disso parece não haver dúvidas – o que está em disputa aqui é se o condenam à prisão perpétua ou à pena de morte. Ele nunca teve muito contato com sua filha de 14 anos, que se sente negligenciada pelo pai, mas outra adolescente tem um papel central na trajetória dele. Sakie (Hirose Suzu), filha do dono da fábrica que, afinal, foi morto por ele.
 
Shigemori diz não ser um advogado interessado nas verdades, mas sim na estratégia do jogo legal. Para poder exercer este jogo, viaja até o norte do país, em busca da família da vítima e da filha do réu. Sua investigação, porém, trará novas camadas sobre o que é a verdade e o crime. A única “prova” que existe contra Misumi é a sua confissão.
 
Como em qualquer filme de tribunal, a questão da verdade é central. Mas, ao contrário de muitos deles, nos quais o público sabe mais do que os personagens, em O terceiro assassinato estamos todos em pé de igualdade. Muitas sugestões são dadas, mas acertos definitivos ficam de fora. Há elementos – como abuso sexual, práticas ilegais dentro da fábrica, além de exploração dos trabalhadores – que servem como complicadores na trama e abalam as certezas do protagonista.
 
Numa antiga entrevista ao jornal inglês The Guardian, Kore-eda diz que se compara com Ken Loach – embora muitos insistam em aproximá-lo de seu conterrâneo Ozu. Neste filme em particular, seu cinema está bem próximo do humanismo do cineasta inglês, diretor de Eu, Daniel Blake. A questão mais urgente aqui é a da pena de morte, que ainda vigora no Japão, apesar de um intenso debate e de um clamor público pelo seu fim. O terceiro assassinato pode funcionar como um libelo sobre a questão, sobre a fluidez da verdade e a maleabilidade da narrativa legal, além dos meandros pelos quais essa se move.
post