08/02/2025
Drama

Assunto de família

Osamu e sua mulher constituem uma família anticonvencional. Moram junto com a avó dela, a mulher trabalha numa lavanderia e ele sobrevive de trabalhos ocasionais na construção civil. Como o dinheiro não dá para cobrir as necessidades básicas, ele e o filho, Shota, de 12 anos, furtam produtos em supermercados.

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Vencedor da Palma de Ouro em Cannes 2018, o consagrado diretor japonês Hirokazu Kore-eda voltou mais uma vez a um tema recorrente de seus filmes, focalizando um clã altamente anticonvencional em Assunto de Família. Mais direto, o título em inglês – Shoplifters - remete a ladrões que furtam discretamente em lojas e supermercados e é exatamente essa a atividade a que recorre a família central para completar uma sobrevivência mais do que precária.
 
Muita gente fora do Japão pode não imaginar que existam ali tamanha promiscuidade e pobreza como a sofrida por Osamu (Lily Franky), um trabalhador precário em construção civil, que vive com a mulher (Sakura Ando), funcionária de uma lavanderia, na casa da avó dela (Kirin Kiki). O casal tem um filho, Shota (Sosuke Ikematsu), e acaba adotando informalmente uma menina de 5 anos, Yuri (Miyu Sasaki), que encontram quase morrendo de fome e frio do lado de fora de uma casa.
 
Evidentemente, o foco está nesta precarização, em que os trabalhadores trabalham menos horas, recebem menos e têm menos direitos, como acesso a indenizações no caso de acidentes. Neste sentido e também na maneira como retrata seus personagens, fica muito claro que Kore-eda quer mostrar quem são, o que fazem, como se relacionam, seus afetos e emoções, antes de julgá-los pela transgressão às leis que praticam diariamente – como usar as crianças para furtar em lojas.
 
Alguns dos traços admiráveis do cineasta japonês estão presentes aqui, como a esplêndida capacidade de dirigir crianças – como visto anteriormente em Ninguém Pode Saber (2004). A naturalidade que flui de sua interpretação e do núcleo familiar humanizam os personagens, especialmente os adultos, mesmo diante de revelações nada edificantes que oportunamente surgem a seu respeito. Há todo um jogo de verdades e mentiras em curso, mas Kore-eda é profundo o bastante para contrapor esse mundo ilegal e improvisado da família com o que as instituições do Estado têm a oferecer e que, evidentemente, deixam muito a desejar, mesmo num país alegadamente desenvolvido.
 
A outra grande qualidade de Kore-eda é deixar fluir as emoções de uma história intimista sem transbordar para a pieguice jamais. Uma contenção com a qual muitos diretores no mundo teriam a aprender.
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