08/02/2025
Drama

No coração do mundo

Marcos está desempregado e vive de bicos e pequenos crimes. Sua namorada, Ana, é cobradora de ônibus, cuidando do pai inválido. Um dia, Selma, que arrumou um trabalho para Marcos, surge com uma ideia promissora, embora muito perigosa.

post-ex_7
Lançado em première mundial no Festival de Roterdã, em janeiro, No Coração do Mundo marca uma estreia promissora para a dupla mineira Gabriel Martins e Maurílio Martins - que assinam direção e roteiro de um drama que reverbera em ecos universais ao contar a história de jovens moradores de Contagem (MG).
 
Em Laguna, bairro da cidade-dormitório próxima a Belo Horizonte, o casal de namorados Marcos (Leo Pyrata) e Ana (Kelly Crifer) leva sua rotina. Desempregado, Marcos vive de bicos e pequenos golpes; Ana é cobradora de ônibus e cuida do pai inválido. A pequena festa de aniversário dele, com a participação de uma animada locutora (Karine Teles) no início do filme, dá bem a medida do descolorido destas vidas sem direito a utopia.
 
A própria festa é interrompida por um tiro distante, que abre a porta para que se conheçam outros personagens da trama, como Beto (Renato Novaes), autor do desastrado tiro, que saiu de um revólver de Marcos; e o irmão de Beto, Miro (Robert Frank), comerciante que tem um caso com uma manicure casada, Rose (Bárbara Colen). 
 
Entre envolvidos com crimes e seus parentes e amigos, forma-se este núcleo principal, ao qual se soma a empreendedora Selma (Grace Passô), amiga de Rose e que emprega Marcos numa atividade temporária, envolvendo fotografias de alunos de escolas. 
 
São vidas precárias, num ambiente despojado de quase tudo - nada mais preciso do que o desabafo de Ana num dia em que olha de cima a paisagem local: “Que cidade feia, meu Deus!”. Tudo ali respira desalento, abandono, distância da beleza.
 
Selma, no entanto, respira energia. Tem planos de voar mais alto, planejando um roubo que pode dar muito dinheiro e a sonhada independência a esta mãe solteira. Só que precisa de parceiros e pede a ajuda de Marcos. 
A fronteira com o crime é rompida continuamente sem que se possa, a rigor, julgar nem absolver ninguém. Há um caldo sistêmico de contaminação no ambiente, em que cada um luta por uma sobrevivência cada vez mais difícil. 
No meio deste relato tenso, sobressai o trio Marcos, Ana e Selma, enredado na operação de risco - que, aliás, é muito bem filmada e tem ritmo eficiente de suspense policial. 
 
Por outro lado, nota-se um visível desequilíbrio na narrativa, que oscila de modo um pouco inseguro na primeira metade, até finalmente engrenar para esta mais resolvida porção final. Quando finalmente conhecemos todos estes personagens, é mais fácil envolver-se com sua verdade e sua procura. No Coração do Mundo é um filme humanista, em sua sintonia com existências precárias, num mundo em que o trabalho se tornou escasso e as perspectivas de afirmação individual são negadas à maioria das pessoas. Marcos, Ana, Selma, Rose, Miro e Beto são indivíduos encontráveis em qualquer lugar do mundo, neste estágio da crise em que vivemos. Eles não pedem simpatia nem compreensão, mas é impossível não se conectar com a sua vulnerabilidade extrema de pequenas pessoas encarando um tempo de grandes desmontes. 

Apesar do desalento, o próprio título do filme, No Coração do Mundo, apela para a teimosia da esperança, que está sempre lá na frente, em outro lugar - e não há espelho melhor de todos os significados da história do que o rosto da atriz Kelly Crifer, uma revelação. 

Leia também a entrevista com atores e diretores do filme

post