07/02/2025
Drama

Lacombe Lucien

Em junho de 1944, o adolescente Lucien Lacombe vive entregue à própria sorte, com trabalhos ocasionais e com a família dividida. Ele acaba seduzido para entrar nas fileiras dos colaboracionistas que naquele momento perseguiam judeus e esquerdistas.

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A relevância de um filme é diretamente proporcional ao impacto que ele ainda é capaz de provocar, muitos anos depois de sua realização. Por isso, Lacombe Lucien (1974), de Louis Malle, é uma obra da mais alta importância, já que seus temas e reflexões continuam reverberando mais de 40 anos após sua primeira visita.
 
O protagonista, Lucien Lacombe (Pierre Blaise), não passa de um adolescente, na França semi-ocupada pelos nazistas, em junho de 1944, depois que as portas do país foram abertas pelo governo entreguista do marechal Pétain. É um garoto inculto, perdido. Seu pai está prisioneiro no front, não se sabe onde. Sua mãe (Gilberte Rivet) amasiou-se com o patrão (Jacques Rispal). Entregue a si mesmo, Lucien trabalha onde pode, neste momento na limpeza de um hospital.
 
A notícia de que um conhecido entrou para a Resistência o entusiasma, mas Lucien não tem de fato conhecimento nem idealismo em relação à situação em que vive. Busca apenas uma filiação, um lugar no mundo. Recusada sua primeira tentativa de juntar-se aos resistentes, um acaso o leva na direção contrária e ele acaba tornando-se mais um colaboracionista a desfrutar das benesses dos poderosos de ocasião - por mais que haja sinais abundantes de que o poderio dos nazistas e seus aliados esteja por um fio.
 
Este vazio ético, esta revolta, esta fragilidade psicológica e moral do personagem, são os principais elementos com que o diretor o desenha, interpretado com peculiar energia pelo ator estreante - antes de ser descoberto por Malle, era lenhador. O roteiro, assinado por Malle e por Patrick Modiano, futuro Prêmio Nobel de Literatura em 2014, não demonstra apetite para julgamentos, ainda que forneça material abundante para examinar a fundo aquele contexto histórico, um período traumático para a França, já que os colaboracionistas franceses compartilharam todos os desmandos nazistas, executando a perseguição, tortura e morte de seus opositores, dos esquerdistas e dos judeus.
 
Essa mistura de ignorância, vulgaridade e violência que compõe Lucien, exercendo alegre e ostensivamente seus novos poderes, tornam-no um criminoso - ainda que ele efetivamente não tome consciência disso, o que não o torna inocente - e essa é uma das dimensões mais instigantes deste filme. Esta inconsciência será exposta no seio de uma família judia escondida, composta pelo alfaiate Albert Horn (Holger Löwenadler), sua mãe (Therese Giehse) e a filha, a jovem France (Aurore Clément). Conhecendo a moça por acaso, numa visita de extorsão praticada por um de seus colegas a Horn, Lucien se apaixona pela moça e torna-se um catalisador de destruição, como acontece sempre que ele e seus comparsas se aproximam de alguém.
 
Na situação com France, ficará mais evidente, até para Lucien, a ambiguidade destas lealdades formadas em torno do arbítrio da violência fascista, caindo, uma a uma, suas certezas de impunidade e proteção. Também para ele chegará uma hora da verdade. 
 
A clareza com que Malle conduz esta singular viagem ao inferno do coração de um pequeno fascista, certamente serve para alimentar uma série de reflexões sobre o renascimento de várias espécies de barbárie em tempos em que se julgava que estariam definitivamente sepultadas. 
 
O filme recebeu uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 1975, vencendo o Bafta e o prêmio do Sindicato dos Críticos Franceses como melhor filme do mesmo ano. O protagonista, Pierre Blaise, infelizmente, teve um destino trágico, morrendo num acidente de automóvel também em 1975, com apenas 23 anos, depois de ter completado apenas três filmes, incluindo esta que foi sua promissora estreia no cinema.

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