Exibido e premiado em diversos festivais, dentro e fora do Brasil, Pacarrete, antes de tudo, é um filme que faz sonhar e empolga pela luta individual de sua peculiar protagonista. Vivida por uma luminosa Marcélia Cartaxo, a personagem empresta seu nome da palavra francesa que define um tipo de margaridinha e homenageia em sua linhagem diversas heroínas do cinema, passando pelas mulheres de Giulietta Masina, Amélie Poulain e um quê de Charlie Chaplin, até.
Professora aposentada que teve que voltar à sua cidadezinha natal para cuidar da irmã doente, Pacarrete é incompreendida na cidade por seus gostos sofisticados em arte e no próprio figurino. Tida como excêntrica, ela cria um grande alvoroço quando decide convencer a prefeitura a oferecer um espetáculo de balé no dia da festa da cidade. Na Netflix.
- Por Neusa Barbosa
- 24/06/2020
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Nem por isso, esta Pacarrete elegante, coquete, que se inspira numa personagem real da infância do diretor e corroteirista Allan Deberton, é desprovida de pontas - sua inteligência, cultura, independência são contrabalançadas por uma certa teimosia e impertinência. Mas nenhuma atriz melhor do que Marcélia para encarnar esta mulher às vezes engraçada, às vezes curiosa, às vezes patética, numa jornada solitária contra um mundo que se estupidifica a passos largos - esta uma metáfora até política, num dos inúmeros caminhos abertos por essa história de apelo universal, cujas camadas somente visões reiteradas deste filme encantador poderão contemplar.
É especialmente uma história de mulheres. Numa pequena cidade do interior cearense, Pacarrete, uma professora aposentada, vive com sua irmã, Chiquinha (Zezita Matos), esta confinada a uma cadeira de rodas e cujo temperamento, mais ameno, tenta conter os arroubos da irmã. Cuidando das duas está a empregada da casa, Maria (Soia Lira), que faz um contraponto de temperamentos. Ela pode eventualmente fazer algumas conciliações mas, ao mesmo tempo, é a que mais resiste às investidas de Pacarrete quando acha que está indo longe demais.
Pacarrete é uma dessas personagens cuja complexidade ganha corpo ao longo da história. Ao mesmo tempo que ela é capaz de despertar empatia, por sua independência, coragem e amor à arte (balé, música, literatura), ela pode eventualmente ser agressiva, desagradável. Por isso mesmo, incompreendida, já que a assertividade é muito menos tolerada nas mulheres, na mesma medida em que é considerada qualidade nos homens. Pacarrete também paga o preço de estar à frente do seu tempo, mantendo uma guerra contra um ambiente provinciano e mesquinho.