Clara é uma jovem dona de casa que resolve fugir de uma vez do marido policial e abusivo, que está maltratando inclusive os filhos. Ela pega o carrro e os leva consigo para Nova York, que sempre sonhou conhecer. Entre muitas dificuldades, conhece pessoas que a ajudam, como o gerente de um restaurante russo, um advogado e uma enfermeira.
- Por Neusa Barbosa
- 09/11/2020
- Tempo de leitura 2 minutos
Diretora conhecida por seu passado no grupo original do Dogma 95 e por filmes adoráveis como Italiano para Principiantes (2000) e Educação (2009), a dinamarquesa Lone Scherfig embarca na criação de uma fábula adocicada, que doses eventuais de realismo não conseguem refinar.
O elenco é notável e deve ter sido uma das razões para o filme ter sido escolhido como atração de abertura do Festival de Berlim 2019 - mas sua seleção para a competição parece ter sido demais. No roteiro, assinado pela diretora, as vidas de um pequeno grupo de pessoas se entrelaçam em Nova York, criando um fio mágico de interações e bondades.
Há problemas bem reais e concretos nas vidas de todas: Clara (Zoe Kazan) é uma jovem dona de casa, em fuga do marido, policial e violento, carregando os dois filhos; Marc (Tahar Rahim) é um ex-presidiário, procurando reconstruir a vida, com a ajuda de seu advogado, John Peter (Jay Baruchel), um solitário contumaz; Jeff (Caleb Landry Jones), um jovem desastrado que não consegue manter nenhum emprego e vai parar nas ruas; Alice (Andrea Riseborough), uma enfermeira também sozinha, que divide seu tempo entre o setor de emergência de um hospital e um grupo de apoio numa igreja. O menos problemático é mesmo Timofey (Bill Nighy, um dos produtores do filme), que parece ter entrado apenas para ser esta espécie de mestre de cerimônias, na pele do dono de um restaurante russo meio decadente, que serve de cenário a uma parte destas histórias.
O tema recorrente é a bondade - não à toa, o nome original do filme é “A bondade de estranhos”. Soa mesmo suave a generosidade com que a enfermeira Alice se interessa genuinamente pelas pessoas que ajuda, sem conseguir ter uma vida pessoal para si mesma. Esta doação miúda, anônima, não espetacular, tem seu encanto e se repete nos encontros entre estes personagens, sendo fundamental para que mudem seus destinos. O problema é como se constroi a engrenagem para sustentar, dramaturgicamente, estes relacionamentos.
O roteiro delineou todas as pessoas de um modo excessivamente unilateral, privando-as de sua complexidade, de suas nuances. Assim, as formas encontradas para que todos se ajudem soam, quase sempre, um tanto apressadas, mágicas demais, fáceis demais, o que atenua o encanto que a generosidade genuína sem dúvida tem.
Esta pasteurização geral compromete o envolvimento com as histórias, gerando uma justa desconfiança. Como, numa cidade como Nova York, tantas pessoas boas podem ter se encontrado e ajudado tão rapidamente? Faltou dose para tudo - até mesmo inocência, disponibilidade, ternura - para que o filme respirasse uma credibilidade mais ampla. Por essas escolhas, Um Inverno em Nova York acaba sendo nada mais do que um daqueles filmes agradáveis, para passar o tempo, filme de Natal sem mencionar o Natal. Aí já seria demais.
Tomara que este tenha sido apenas um incidente de percurso na carreira da diretora - e que ela não esteja se transformando numa nova versão de Lasse Hallström.