Vou Morrer Amanhã é um filme rodado antes de 2020, mas que parece em total sintonia com o presente de uma pandemia. Escrito e dirigido por Amy Seimetz, é um longa construído como uma bola de neve de ansiedade e pânico a partir de uma personagem que tem certeza de que irá morrer no dia seguinte. Kate Lyn Sheil interpreta a protagonista que, curiosamente, tem o mesmo nome da diretora, Amy, em cuja mente se instala a infundada certeza de que tem só mais um dia de vida.
Mergulhada em introspecção, Amy passa suas últimas horas ouvindo o Réquiem de Mozart, e se consumindo em sua ansiedade. Até a chegada de sua amiga, Jane (Jane Adams), que, sem notícias, quer saber como a outra está. Pouco depois, essa outra personagem tem a mesma epifania que a protagonista, uns flashes coloridos, e passa a ter certeza de que também morrerá no dia seguinte. Como em Corrente do Mal, cada personagem vai “contaminando” o outro com essa certeza.
Jane, como Amy, seu irmão, Jason (Chris Messina), como ela, e assim sucessivamente, entra num modo de introspecção e de reexaminar a própria vida diante da tragédia – seja ela imaginária ou real. É, obviamente, no mínimo curioso assistir ao filme num momento como esse, de isolamento, ansiedade e medo. O filme pode funcionar como uma espécie de alegoria. O sentimento transmitido de pessoa a pessoa pode representar, entre tantas coisas, uma ideologia que contamina sem que a vítima tenha tempo ou oportunidade de pensar com mais profundidade e analisar a situação com um pouco de distanciamento e frieza, percebendo o quão exagerado ou fora do real aquilo tudo possa ser.
Apesar da (infeliz) coincidência do filme vir ao mundo no momento em que a Covid-19 se tornou uma pandemia – o longa teria estreado no Festival SXSW, em março do ano passado, um dos primeiros a ser cancelado por causa da situação – Vou morrer amanhã tem algo a dizer sobre a sensação de apocalipse de um mundo bem anterior a esse. Nos EUA, esse momento pode ser localizado em 2016 – no Brasil, um pouco depois –, e a sensação de sufoco da qual não se consegue sair. Seja um sufoco emocional, ou um sufoco político.
De maneira fragmentada (e haveria outra maneira de dar conta narrativamente da situação?), a diretora investiga o presente por meio dessas personagens, cujo mal-estar pessoal é um reflexo de um mal-estar social e político – algo parecido com o que Todd Haynes fez em A Salvo. Seimetz também é atriz, atuou em blockbuster hollywoodianos, e é perspicaz em seu retrato do presente. Em seus longas, parece não estar nenhum pouco interessada em filmes como aqueles em que atuou – o que só prova sua sagacidade.