21/01/2025
Comédia

O auto da boa mentira

Quatro histórias inspiradas em causos contados por Ariano Suassuna têm a mentira ao centro: um homem que tenta tirar vantagens se passando por um humorista famoso; um filho que descobre a verdade sobre sua paternidade; um guia turístico inglês que conta uma pequena mentira e vê-se envolvido numa situação arriscada; e uma estagiária que, para chamar a atenção dos superiores, conta uma lorota.

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O escritor paraibano radicado em Recife, Ariano Suassuna era conhecido não apenas por seus textos, mas também por ser um exímio contador de causos. Fosse em palestras, entrevistas ou apresentações, lá estava ele contando suas histórias, se eram verdade ou mentira pouco importava, sobrava apenas a famosa frase de seu personagem Chicó: “Só sei que foi assim”. O Auto da Boa Mentira, dirigido por José Eduardo Belmonte, parte de episódios relatados pelo escritor, extraindo quatro episódios a partir de motes saídos de falas dele.
 
Claramente, o filme quer surfar na fama de O Auto da Compadecida - uma série de sucesso da TV Globo, de 1999, que foi editada e lançada em forma de filme no ano seguinte –, a começar pelo título. Mas quem procurar aqui aquele universo interiorano com tipos sagazes e, muitas vezes, ingênuos, não vai encontrar. Estas novas histórias se passam em convenções de empresa em hotéis de luxo, numa agência de publicidade e numa comunidade carioca, parecendo um tanto distantes do universo de Suassuna, embora imagens e falas do escritor intercalem um segmento e outro.
 
Na primeiro episódio, Leandro Hassum interpreta um funcionário de RH confundido com um comediante famoso – parecido com ele, mas mais gordo. Aparece aqui uma fala que se tornou recorrente nos filmes do comediante: “Era mais engraçado quando era gordo”. Ele vai à convenção do seu trabalho e tenta tirar vantagem, então, da confusão. No segundo capítulo, o melhor da coletânea, Renato Goes interpreta um jovem que precisa ajudar a mãe (Cássia Kis) a levantar dinheiro para fazer um jazigo luxuoso para o pai,. Mas o quiproquó faz com que o jovem descubra a verdade sobre sua origem, que envolve um palhaço (Jackson Antunes).
 
As duas últimas são mais fracas, e parecem ainda mais distantes do universo de Suassuna. Um inglês (Chris Mason) vivendo no Rio acaba em apuros quando conta uma mentirinha para um amigo carioca (Serjão Loroza, outra ótima presença no filme). Por fim, uma estagiária (Cacá Ottoni) numa agência de publicidade é sempre esnobada e maltratada pelos colegas, então ela conta uma pequena mentira numa conversa, o que lhe confere um certo status temporariamente, mas a coloca numa bola de neve.
 
Escritos por João Falcão, Tatiana Maciel e Célio Porto, todos são como curtas espirituosos, mas que nunca chegam perto da genialidade de Suassuna, cuja imagem no cartaz e ao longo do filme parecem mais um chamariz do que uma homenagem. Faltam-lhes a acidez e sagacidade do escritor, por isso,  parecem mais esquetes de humorísticos alongados e com produção caprichada. Não que isso seja um tottal desastre, mas quem for esperando algo minimamente próximo de O Auto da Compadecidao filme,  que, nesses mais de 20 anos, se tornou uma referência cultural –  vai se frustrar.
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