18/04/2025
Experimental Drama

Diários de Otsoga

Um homem, uma mulher e um rapaz se hospedam numa casa de campo, em Sintra, para fugir do lockdown em Lisboa. Uma equipe de cinema os acompanha com o intuito de filmar um beijo - algo tão simples, mas arriscado por conta da covid.

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Dirigido por Miguel Gomes e a documentarista Maureen Fazendeiro, este é possivelmente o melhor filme feito em condições pandêmicas e sobre condições pandêmicas. Filmado em agosto de 2020, o longa aborda as condições e possibilidades de fazer cinema num momento tão peculiar e repleto de restrições. É também uma brincadeira sobre e com o cinema, cheia de vitalidade, vigor e humor. A sua aparente simplicidade é sua grandeza.
 
Há aqui dois elementos que remetem a Aquele Querido Mês de Agosto, do mesmo Gomes: o mês de agosto e o dispositivo de incluir uma espécie de making-of dentro do próprio filme, retirando assim o véu da ilusão que o cinema é capaz de lançar. A isso, acrescenta-se também outras camadas de compreensão, que só seriam reveladas dessa forma: a das dificuldades de rodar um filme naquelas condições, e também de como parte da criatividade nasce da necessidade.
 
Gomes e Maureen, também parceiros na vida, tinham um elemento em volta do qual construir seu filme: um beijo. Algo tão simples e comum no cinema, mas agora impossibilitado diante do distanciamento social. Esse é o final, mas o longa começa – tal qual o agosto do título – de trás para frente, ou seja, pelo fim. A partir daí, os Diários descontroem o caminho trilhado para chegar até lá, nada destituído de tensões, diversão e descobertas.
 
Como em Aquele querido..., aqui uma equipe de filmagem encontra-se numa espécie de limbo entre o material filmado e o que fazer para o concluir. São 22 dias numa quinta, onde todos foram testados antes de ali se instalar – o que não impede, logo no primeiro dia (mostrado no final do filme), de surgirem tensões entre o combinado, que nem todo mundo parece ter entendido ou aceitado.
 
Os personagens fictícios são dois homens (Carloto Cotta e João Nunes Monteiro), e uma mulher (Crista Alfaiate). Um trio que se instala numa quinta e passa o tempo se divertindo, seja dançando ao som de The Night, de Frankie Valli & The Four Seasons, ou na piscina. O idílio começa a ser interrompido quando a “realidade documental” invade a “realidade fílmica”. Nessa brincadeira metalinguística de Gomes e Fazendeiro – que também, obviamente, aparecem na frente da câmera – muito é revelado, sobre disputas artísticas e de poder, sobre amizades e inimizades e também a dinâmica de trabalho dentro de um set.
 
Depois de filmes ambiciosos – e muito bem resolvidos – como Tabu e As 1001 Noites, é interessante ver Gomes voltar a algo menos sisudo, que remete ao começo de sua carreira, não apenas a Aquele querido..., mas também A cara que mereces, seu primeiro longa, de 2004. A suposta simplicidade dos Diários esconde, por sua vez, a complexa estrutura e também uma questão como será possível fazer arte daqui para a frente?
 
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